Lançado no Brasil pela Aurora, Brinquedo Proibido é sensível, mas muito certinho.
Brinquedo Proibido (Jeux Interdits, 1952) é um filme multipremiado do francês René Clément que saiu no Brasil em edição franciscana pelo selo Aurora – um pessoal de Pernambuco que botou no sempre carente mercado brasileiro alguns clássicos que não tiveram oportunidade nas grandes distribuidoras do sul maravilha.
O diretor Clément é mais conhecido do público por dois motivos: primeiro, pela melhor versão para o cinema do talentoso mr. Ripley da inglesa Patricia Highsmith, O Sol por Testemunha (Plein Soleil, 1960), com o galã Alain Delon no papel do criminoso sexualmente ambíguo. E claro, Clément também ficou conhecido por ser saco de pancada do pessoal da Cahiers du Cinèma – Truffaut e companhia viam no cinema de Clément a própria decadência da arte e contra ele, e o que representava, eles se insurgiram.
Vendo o DVD é fácil perceber todos os defeitos que os críticos viam como também salta aos olhos as qualidades que o levou a obra, de uma só vez, a vencer o Leão de Ouro no Festival de Veneza e o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano de 1953 – isso tendo Clément vencido outro Oscar em 1949 com Três Dias de Amor (Au-Delà des Grilles).
As qualidades são do dito cinemão: roteiro redondo, diálogos ágeis e sempre significativos, eficiência narrativa, impecáveis fotografia e edição, etc. Enfim, a maravilha técnica e medíocre que o cinema americano nos entope diariamente com seus milhares de filmes perfeitos tecnicamente e sem alma. Não há sobras, nem imperfeições, tudo se resolve; o filme é uma verdadeira máquina de emocionar. Um eletrodoméstico psicológico, como dizia na época (daí surgiria um dos mais caros temas da Nouvelle Vague, o acaso. Tirado dos romances russos, os franceses iriam incluir em seus filmes o imponderável, a incerteza de se filmar a realidade, de um filme dar conta de um personagem por completo, etc.).
Impossível, no entanto, não se emocionar com a beleza da estória de Brinquedo Proibido, em que uma menina de cinco anos, Paulette, tem seus pais mortos num ataque durante a Segunda Guerra Mundial e, órfã, carregando seu cachorrinho morto, chega numa fazenda da França profunda e lá faz amizade com um menino de 11 anos, Michel. Juntos eles irão criar um cemitério para os animais mortos na região, para isso roubando todos os crucifixos locais, inclusive o da igreja do lugarejo, para desespero do padre.
Para muitos, como Pauline Kael, Brinquedo Proibido é um clássico do cinema de guerra e um pioneiro em retratar os horrores da carnificina pelo olhar inocente das crianças (e há quem ache tudo uma tremenda manipulação sentimentalóide). Os críticos da Cahiers foram duros com Clément, não sem razão. Ele acabaria por ter sua carreira arruinada com a emergência dos jovens turcos às telas nos anos 60 – o fracasso comercial de Paris Está em Chamas? (Paris Brûle-t-Il?, 1966) foi-lhe fatal. Era um diretor comercial, com limitações, não um autor, mas ambicioso e artesão sensato. Não é dos maiores, sem dúvida.
Os atores mirins deram um show, mas não conseguiram seguir carreira. Brigitte Fossey chegou a aparecer num dos filmes do Truffaut, O Homem que Amava as Mulheres (1977) e em Cinema Paradiso (1988), mas nunca mais fez sucesso. O menino, Georges Poujouly, fez outros filmes na época, ainda como adolescente, mas terminou a vida como dublador de TV.
A versão lançada no Brasil é a internacional, bem mais curta, de apenas 84 min. Há outra, francesa, de 102 min. Dentre a extensa lista de prêmios está o BAFTA (o Oscar britânico) de melhor filme estrangeiro, indicação ao Oscar de melhor roteiro (para o roteirista François Boyer), melhor filme Europeu e melhor filme estrangeiro pela Associação dos Críticos de Nova York. Como não há unanimidade que resista muito tempo, os próprios franceses trataram de enxovalhá-lo (os famosos críticos futuros cineastas fariam pior com Henry-Georges Cluzot, mas essa é outra história).
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