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Críticas

Cineplayers

Um filme nostálgico.

8,0

Para começo de conversa, gostaria de deixar claro que este texto não se preza a comparar os dois filmes de nome Bravura Indômita (True Grit), um lançado em 1969, dirigido por Henry Hathaway e protagonizado por John Wayne, outro lançado este ano, dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen, protagonizado por Jeff Bridges (e para os mais turrões, também protagonizados por Kim Darby e Hailee Steinfeld, respectivamente). Os dois filmes são adaptações do livro de Charles Portis e, segundo os Coen, é ele o motivador da realização deste filme que eles insistem em negar ser uma refilmagem. Portanto, que assim seja, não interessa no que eles se assemelham ou diferem. Na verdade, Bravura Indômita parece casar muito bem com o trajeto dos Coen e o momento de maturidade de sua cinematografia.

Segundo o Wikipedia, “o pragmatismo constitui uma escola de filosofia, com origens nos Estados Unidos da América, caracterizada pela descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os limites da condição humana. Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às consequências - utilidade e sentido prático - como componentes vitais da verdade. (...)”. Tendo tal definição como base, é perfeitamente possível entender de que modo os irmãos Coen compreendem o pragmatismo em seu cinema. E como seus personagens refletem tal conceito, que engloba outros tantos de ordem definidora de caráter, moral e costumes.

Em Bravura Indômita, a garota Mattie Ross, de apenas 14 anos, buscará ao longo do filme a vingança pela morte de seu pai, morto por um homem que está foragido em terras indígenas e que por conta disso não terá o julgamento que Mattie julga necessário para alguém que tenha cometido um ato como este. Mattie está tão centrada em seu objetivo, que em muitos momentos parece que não se trata realmente de seu pai a vingança que ela pretende executar. Por um certo ângulo, tal impressão serve ao propósito maior dos cineastas de caracterizar Mattie como uma personagem Coeniana por excelência: está acima de seus sentimentos o próprio senso de justiça, a necessidade da conclusão de algo que ela considera correto. De tal modo, o que Mattie quer nem pode ser classificado como vingança, mas sim a tal retribuição que o trailer do filme anunciava.

A retribuição que Mattie busca é também a que busca La Boeuf, um patrulheiro vindo do Texas, que está no encalço do mesmo homem que matou o pai de Mattie, mas por conta de outro crime, realizado em outro lugar. Essa noção de lugar também será tida como um ponto de perspectiva proposto no filme. Em todo momento, Mattie afirma de onde veio, assim como La Boeuf diz ser um Texas Ranger. Quando o conflito de interesses de ambos coloca um problema para a busca que os dois pretendem fazer, fica claro que para Mattie a justiça só poderia ser feita caso fosse no lugar onde o assassinato de seu pai aconteceu. Para ela, até aquele ponto da narrativa, não importava simplesmente prender o homem, vingar seu pai, saber que ele terá sua condenação em algum outro lugar; Mattie precisa saber que a justiça foi feita em sua sociedade. Por este princípio, saberemos mais à frente as razões das modificações nos próprios personagens.
 
Quando La Boeuf explica o que aconteceu com o homem assassinado (um senador), da família que o contratou para capturar o assassino, ele cita dois termos em latim, “malum prohibitum” e “malum in se”, para definir a natureza dos crimes executados pelo fugitivo. A distinção entre atirar no cachorro que pertencia ao senador e depois atirar no próprio, por conta do protesto contra o ato; uma das ações é errada por si só e a outra só parece errada de acordo com as leis ou costumes de um local. Suponhamos que no Arkansas, de onde vem Mattie, somente uma das ações pode ser considerada um crime; já no Texas, ambas podem ser tidas como hediondas, por exemplo. O que realmente importa é que o conceito de certo e errado pode estar necessariamente ligado somente ao lugar onde o ser se encontra, aos moldes da sociedade que ele engloba, seja fixamente ou momentâneamente. Daí, a movimentação de um corpo pode gerar, por conta de uma eventual parábola dramática do personagem (ou pessoa), a modificação necessária para que o conceito de “certo” seja colocado sob perspectiva. E é isso que acontecerá com Mattie.

Do ponto em que chega à cidade onde o pai foi morto, manda o corpo de volta para seu estado natal, tenta resgatar um dinheiro de uma compra feita e que já não é mais necessária e, por fim, contrata o federal Rooster Cogburn para capturar o assassino de seu pai, Mattie atravessa um complexo universo de transformação, principalmente no que concerne às suas ações. Tanto Mattie quanto Cogburn seguem uma linha muito bem definida de retidão que os faz agir de acordo com o senso anteriormente citado de justiça e de credulidade em algo que se julga certo. Porém, mesmo que a moral não seja abalada pelos acontecimentos, a ação passa a ser controlada pela situação e aí entra em cena o pragmatismo característico do cinema dos Coen e que encontraram nos personagens do livro de Portis um excelente reflexo. Independente do que Mattie e Cogburn vierem a fazer, a crença absoluta na exatidão de sua moral é o que motivará a união entre os dois.

Esse pensamento que parece não mais existir, ou pior, não mais ter espaço no mundo cínico e nebuloso de agora, os homens que são homens de verdade, com senso de hombridade e respeito (no caso do filme, não há respeito pelos índios, mas isso parece mais uma questão de coerência histórica), a lógica do envelhecimento, do tempo que passa e apaga certos rastros tidos como inócuos, que apaga essa memória, tudo isso liga diretamente Bravura Indômita a Onde os Fracos Não Tem Vez (No Country For Old Man, 2007). Existe também a idéia da justiça, da opção pelo caminho do bem ou pelo caminho do mal, do que condiciona o ser humano a ser como é, as influências do meio e dos outros homens, tudo parte constante e eloquente do cinema dos Coen, que cada vez mais experimentam modos distintos de provarem seus pontos. Em Bravura Indômita, esta experimentação reside mesmo na necessidade da sutileza, do classicismo, do “velho” que Cogburn afirma, num momento de catarse. O filme pontua em diversos planos gerais um espírito de John Ford, de um olhar para aquela sociedade com um aspecto de contemplação, não meramente pela ordem da beleza estética, mas pela liberdade de certas agruras de pensamento.

Do olhar para esse passado que não existe mais, surgem planos inesquecíveis, como os de Cogburn carregando Mattie durante toda a noite, na tentativa de salvá-la, emoldurado por um céu de estrelas absurdas. A perseverança, a fé inabalável estampada no rosto de Jeff Bridges, o espírito que motivaram o caminho dramático dos personagens, parecem concluir perfeitamente o restante do provérbio enunciado no começo do filme. “Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los”. Os Coen “omitiram” a seguinte parte: “mas os justos são ousados como um leão.” Pela imagem eles fazem justiça a esta idéia.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 23 de Novembro de 2013 - 14:20

Esse é um remake que supera e muito o original. o Cogburn de Jeff Bridges é perfeito e a cena dele correndo com a menina nos braços é poderosa!

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