Uma comédia de costumes anacrônicos perdida na histeria de seu diretor.
Em determinado momento, após outro dos inúmeros e nem sempre funcionais cortes explícitos de Bons Costumes, encontra-se um plano que resume em prática a disparidade deste mais recente – e mais decente - filme de Stephan Elliot: após percorrer em close a superfície de um disco em movimento na vitrola, a câmera revela, através da ampliação do campo de visão, a americana de “virtudes fáceis” interpretada por Jessica Biel dançando intercaladamente com dois rapazes em meio à sala de estar. Sem cortes, enquanto circula pelo cenário e conforme os movimentos da coreografia, descobre-se a presença de duas mulheres inglesas que, mesmo em meio ao furdúncio, lêem silenciosamente estiradas em poltronas.
Ao mesmo tempo em que estabelece de maneira objetiva e sintética, através unicamente da imagem, o paradoxo que é base de discurso desta satírica comédia de época inglesa – o choque entre dois perfis sociais bastante distintos, bem como entre as mais básicas diferenças culturais de Estados Unidos e Inglaterra - Elliot consegue a proeza de soar exagerado e histérico em um filme assumidamente farsesco, através de deselegantes aproximações de câmera que praticamente injetam este discurso, que já era evidente, na veia do espectador.
Bons Costumes resume-se ali: um filme pontuado por boas sacadas e, ao mesmo tempo, minado por constrangedoras – quando não simplesmente imbecis - soluções visuais e narrativas que revelam, aos que ainda não conheciam, a fragilidade do cinema de Elliot - ainda que este já tenha sido consideravelmente pior, afinal são do diretor catástrofes cinematográficas como Priscila - A Rainha do Deserto e Bem-Vindo a Woop Woop. Um cinema de extrema superficialidade dramatúrgica, extravagante e desgovernado, perdido em meio a tantas tentativas frustradas de se cristalizar como irônico ao invés de deixar esta ironia surgir genuínamente através da ação e do que a envolve.
O caso de Bons Costumes é realmente uma pena, já que existem nele muitos vestígios de algo que poderia ser um belo filme. Elliot preserva como cenário a Inglaterra dos anos 20 na qual se passava a peça de Noel Coward e constrói, através da cenografia e da iluminação artificialmente retrôs, um filme estilizado que sugere uma comédia de costumes baseadas em costumes anacrônicos, o que faz dele um filme de época naturalmente às avessas – e por isto mesmo tão interessante. O ponto de choque, uma espécie de Entrando Numa Fria com humor sarcástico ao invés de pastelão, é a relação entre a personagem de Biel e sua sogra, representante clássica da aristocracia inglesa que tenta manter esta imagem a qualquer custo, apesar da péssima situação econômica em que se encontra a família.
A crítica social, apesar de pouco atraente, garante o interesse pelas circunstâncias que a cercam, mas o filme ganha pontos justamente quando se desprende deste compromisso de farsa satírica contra a hipocrisia aristocrática e deixa-se levar pelo simples prazer da ação. As cenas em que Biel tenta acobertar seu “crime” contra o cachorro da família e a caça à raposa são as melhores e não precisam de nenhum artífice extravagante para fazer seu humor funcionar. Porém, na maior parte do tempo, Elliot viaja em busca destes artífices para fazer de Bons Costumes algo diferenciado, gerando um filme em que a imagem poucas vezes parece ser mais do que uma embalagem plástica. É possível encantar-se e divertir-se com algumas das soluções, mas não demora muito para que esta obsessão por trucagens e planos bacanas soe como desespero. Talvez seja por isso que o próprio filme perca com o tempo o frescor e a agilidade e termine de maneira tão esmaecida.
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