Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um lugar comum.

6,0
Sabe-se que a Pixar sempre buscou a inventividade máxima em suas obras, quase sempre explorando da maneira mais criativa possível todas as oportunidades que as escolhas de seus universos permitem. Nesses mundos, os protagonistas enfrentam não apenas os perigos que os cercam, mas também estão sempre em busca de alguma coisa que dê um sentido maior a suas vidas: foi assim com Woody e Buzz em Toy Story - Um Mundo de Aventuras (Toy Story, 1995), com o carismático robozinho WALL•E (idem, 2008), com o pai desesperado de Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003) e por aí vai. Para eles, a jornada é muito mais interessante do que o seu destino final.

O que nos traz a O Bom Dinossauro (The Good Dinosaur, 2015), o segundo trabalho a ser lançado pela empresa em 2015, algo inédito até então. Se o filme não é um desastre total como foi Carros 2 (Cars 2, 2011), está longe de ser uma obra-prima como os demais projetos da Pixar, ainda mais se colocado lado ao lado com seu 'irmão de ano' Divertida Mente (Inside Out, 2015), que foi a fundo na mente do ser-humano e entregou um dos filmes mais sensíveis e complexos do ano passado. Resultado de uma produção conturbada, adiado algumas vezes, com troca de diretores, roteiro mexido e remexido à exaustão, convenhamos, foi um milagre que O Bom Dinossauro tenha chegado aos cinemas, no final das contas.

Arlo é um dinossauro desajeitado, que busca uma maneira de deixar sua marca como os pais e irmãos já fizeram. Porém, depois de um acidente que o leva para muito longe de casa, ele precisa não apenas achar o caminho de volta, mas também buscar o seu eu interior que o faça crescer como ‘pessoa’ em um mundo alternativo onde os dinossauros ainda dominam a Terra, vide que o asteroide que causou sua extinção não acertou o planeta.

De uma maneira geral, é um filme bem coerente com toda a filmografia do estúdio. Arlo é um personagem preso às suas origens, que não sabe o seu papel e vê nos irmãos um obstáculo para se entender como dinossauro. Precisou ir para muito longe de casa, em uma jornada com um jovem humano, que nesse mundo é um animal de estimação, para poder descobrir o seu próprio caminho. Em certo momento, seu pai diz: ‘se um dia se perder, siga o Rio que encontrará sua casa novamente’. Assim Arlo o faz, mas é curioso notar que o personagem só começa a se conhecer de fato justamente quando se afasta do rio; uma metáfora clara para os jovens de que às vezes é necessário se perder para poder realmente se encontrar. O rio é aquilo que o ligava com sua casa, era o link que ele precisava quebrar para poder então crescer.

Em conjunto ao tema, temos uma espetacular animação quase foto realista que eleva ainda mais o já altíssimo padrão Pixar. A recriação da água, o modo como o solo reage ao vento, a intensidade da luz, tudo é espetacularmente belo e real. E aí entra um fato curioso: o filme não tenta ser uma cópia fiel da realidade, vide os traços claramente cartunescos que os dinossauros possuem. É uma mistura interessante e que funciona em tela. A atenção aos detalhes também chama a atenção: quando machucado, seja por um arranhão ou uma concussão, a pele dos personagens reage com vermelhidão; quando usam parte do focinho para mexer com a terra, pequenas poeiras alternam sua coloração; quando choram ou se molham no Rio, as gotas são visíveis. Junte toda essa capacidade técnica com momentos inspirados de poesia, como quando o jovem Arlo passa a causa em um campo de vagalumes ou quando o pequeno humano é arremessado por cima das nuvens e tem uma bela visão, e aí temos um trabalho esteticamente impactante.

O grande porém começa quando prestamos atenção aos demais personagens do longa. Temos dois grupos que entrarão na história apenas para poder colocar mais dificuldade nessa jornada de Arlo. Aí, falta criatividade, desenvolvimento e apego a eles. Um grupo de pássaros causa real perigo e é utilizado até o final. Outro, porém, inspirados nas hienas de O Rei Leão (The Lion King, 1994), aparece apenas como coadjuvante e logo é deixado de lado, em um claro problema de roteiro e provavelmente resultado desse monte de mãos reescrevendo a obra durante os anos. Não basta apenas ser mal. Vilões são marcantes quando entendemos suas motivações, nem que eles sejam espontâneos e não tenham, de fato, uma motivação. Mas precisamos sentir isso, entender sua loucura.

No caso, são outros dinossauros que apenas cruzam o caminho de Arlo, de olhos vermelhos ameaçadores, dentes afiados ou bicos longos intimidadores, que não tem o menor significado como um todo. São vazios demais, principalmente se pensarmos no filme como um road movie, onde geralmente personagens cruzam o caminho do protagonista e logo depois somem para nunca mais aparecer. Mas a diferença está no fato de que eles constroem alguma coisa, diferente do que acontece aqui. Dito isso, tanto o Tricerátops vesgo quando o Tiranossauro bonzinho são personagens muito bons, pena que pouco utilizados ou não importantes também, de um modo geral.

Essa falta de uma estrutura realmente significativa enfraquece o sentido da obra, além de deixá-la menos divertida do que o habitual. O filme é bobinho, até meio pesado de vez em quando, de músicas genéricas e sem uma canção tema que fique na cabeça, decepcionando justamente porque quando pensamos na Pixar, queremos que esses mundos nos levem a lugares onde jamais fomos da maneira mais inesperada e criativa possível. No caso de O Bom Dinossauro, é um filme indiferente demais, tanto quanto se o asteroide tivesse acertado ou não a Terra. Não é ruim, mas essa indiferença às vezes é um sentimento tão perigoso quanto.

Comentários (0)

Faça login para comentar.