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Críticas

Cineplayers

Tanto terror quanto drama psicótico.

7,0

ESTA CRÍTICA CONTÉM SPOILERS.
Leia por sua conta em risco.




Há algo de O Iluminado em Boa Noite, Mamãe, que após rebuliço nas redes sociais no segundo semestre do ano passado (após o trailer ter viralizado, dando ao filme um certo hype) finalmente estreou no Brasil nessa segunda semana de março: embora os espaços sejam amplos, eles exercem nos personagens algum tipo de opressão aterradora. Não por acaso a fotografia do filme faz questão de contrastar obviamente a profusão de cores nos arredores da casa com o monocromatismo dos interiores. Como em O Iluminado, essa é uma história que se repete – a tragédia prévia com uma outra, já anunciada.

Os diretores Veronika Franz e Severin Fiala retratam essa opressão dispondo os corpos de seus personagens dentro de um espaço preenchido por um silêncio desconcertante e uma abundância de mobílias sofisticadas, que mostram-se deslocadas ao estarem presentes em uma casa quase que abandonada, embora asséptica. O triângulo de personagens insinua uma relação conflituosa da mãe com um de seus filhos – algo que também antecipa a questão de uma história anterior.

O interessante de Boa Noite, Mamãe é a maneira com a qual o terror se reformula durante o filme. Os dois marcos dessa transformação: na primeira parte do filme, o terror provém da maternidade; na segunda parte, o terror provém da infância.

A silhueta alta e magricela da mãe agride a composição dos planos como um punhal – os garotos sentem-se aterrorizados por ela. A frieza da mulher expande-se pelos interiores. Nos silêncios e portas fechadas, sua presença pode ser palpavelmente sentida como se tratasse de um ser sobrenatural.

Quando Elias e Lukas adormecem, somos levados aos seus sonhos, surpreendentemente conectados um com outro, no qual a mãe exibe um comportamento ainda mais horripilante: caminha em direção à floresta, despindo-se e remexendo-se como se tomada por uma possessão demoníaca; engolindo a seco um inseto dos infernos, como se fizesse parte de si; e, finalmente, quando Elias e Lukas dissecam o corpo o adormecido da mãe vemos que o interior da mulher está completamente tomado pelos insetos pavorosos.

A construção que Franz e Fiala fazem do horror é magnifica: praticamente não existem sustos. O medo dimana da paranoia e da atmosfera que a figura da mãe, a casa e principalmente o trauma exercem nas crianças. O terror sem sustos de Boa Noite, Mamãe é eficiente por desconfortar o espectador, imergindo-o na pele do perturbado Elias.

No ápice da cumplicidade entre Elias e espectador, o filme se reconfigura em seu segundo marco do horror: as crianças transformam-se naquilo que inicialmente as atemorizavam. Tomam para si frieza e crueldade que enxergavam na mãe para darem início a uma impiedosa sessão de tortura. Elias e Lukas tornam-se, definitivamente, os vilões.

A tortura que as crianças aplicam na mãe é uma das mais desconfortáveis do cinema. Os requintes de crueldade e a exposição gráfica da violência atingem a sensibilidade do espectador física e emocionalmente. Os contornos morais da tortura são ainda mais angustiantes, pois nesse momento o espectador já sabe que a verdade que Elias e Lukas desejam extrair da suposta mãe-impostora não é real.

No clímax de Boa Noite, Mamãe, o horror vale tanto quanto sofrimento. O espectador é obrigado a testemunhar os últimos momentos de uma família cujos traumas pessoais decretaram antecipadamente o seu fim. O espetáculo de terror dá lugar ao tormento da autodestruição. O filme de Franz e Fiala é tanto horror quanto drama psicótico. Embora não seja claro em termos de gênero, a opressão dos amplos espaços, a cacofonia dos silêncios absolutos e a cinética impassiva da câmera que acompanha com uma beleza violenta o desenrolar dessa tragédia anunciada fazem com que Boa Noite, Mamãe permaneça irretocável na memória, meses após o desbaratar do hype, quer saiba-se do plot twist ou não.

Comentários (2)

Kennedy | quarta-feira, 16 de Março de 2016 - 12:50

Nota de certa forma baixa para um texto que falou muito bem da obra, que aliás é excelente mesmo. Filmaço e muito superior a certo filme que tá com um hype todo ultimamente.

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