8,0
Quando Belos Sonhos inicia, somos imediatamente levados pelo olhar da câmera que explora um plano: uma mãe e um filho se encontram numa sala. Eles se divertem juntos em uma dança recreativa, convertendo o semblante até então tristonho do menino em um reconfortante contentamento. Tantas cenas similares acontecerão, sempre mostrando o pequeno Massimo e seu amor incondicional pela mãe que repentinamente morre, deixando-lhe um abismo de sentimentos conflituosos que este, aos 9 anos, custa a dar conta de superar. O último encontro entre ambos aconteceu horas antes a morte da mulher. Durante a noite, ao ver o filho dormir, igualmente a todas as noites anteriores, ela o cobriu protegendo-o do frio, desejando belos sonhos. O título do filme pega emprestado esse desejo. E tal desejo, uma estima fraternal, encontra a realidade num despertar indesejado: se fosse um sonho, muito melhor seria, e mesmo assim seria apavorante.
O roteiro encontra o luto em uma criança e a criança vislumbra uma resposta que lhe seja minimamente aceitável. Baseado na auto-biografia de Massimo Gramellini, o filme de Marco Bellocchio passa por dois momentos: a infância e a vida adulta de seu protagonista. Cada período com as implicações da memória causada pela traumática lembrança. Massimo torna-se um jornalista, mas antes, ainda na infância, tenta compreender o que significa a morte, invocando todos os consolos possíveis que justifiquem a perda. A fé aparece como solução. Segundo um aprendizado dentro da igreja que frequenta, a alma é imortal. Pode então a alma de sua mãe estar viva? Uma criança questiona um padre. Já adulto, torna-se um jornalista de relativo sucesso como correspondente. Mas eventos do cotidiano lhe recuperam a memória, restituindo a sensação de um passado mal resolvido. Um adulto questiona a vida.
Nesse percurso de elaboração é interessante perceber a série de perdas que acompanham os anos do protagonista: os trabalhos enquanto jornalista – especialmente em Sarajevo, quando observou a fotografia de um órfão ser modificada –, os relacionamentos corrompidos, um suicídio, o acidente aéreo com a delegação da Torino. As transformações sociais e culturais da Itália e da Europa são planos de fundo. É uma série de episódios que aparecem ciclicamente que, no ponto de vista de Massimo, funcionam como retornos constantes ao seu passado, às perguntas não respondidas que intensificam sua solidão e a de seu pai. Em Belos Sonhos, belos planos constatam reminiscências, todos bem desenrolados em fragmentos num roteiro onde a narrativa não segue uma linha, mas é construída através de momentos, de estímulos que levam a flashbacks pontuais.
É um filme de diferentes memórias que respaldam a sensação de nostalgia que Massimo experimenta. Mais do que isso, a obra ilustra concepções desse personagem a cerca de seus sentimentos sempre obscurecidos pelo luto não superado. Quando uma luz aparece em forma de uma médica, então tudo ganha um novo sentido, uma reinterpretação de experiências: a assustadora dor no peito; o temor a morte; o acalento do outro; a dança redescoberta como diversão.
Filmado por um cineasta quase octogenário, é perceptível que o olhar sobre o filme vai além de uma adaptação de uma biografia alheia. Há muito de Bellocchio nos personagens, de nostalgia, de lembranças e questionamentos que perpassam família e fé. Em obras recentes, o cineasta relembrou o passado de sua família em Irmãs Jamais (Sorelle Mai, 2010) e travou uma discussão sobre suicídio e aceitação em A Bela que Dorme (Bella addormentata, 2012) e Sangue do Meu Sangue (Sangue del mio sangue, 2015).
Há pelo menos uns 3 diálogos que imperam sobre as intenções do roteiro, carregado com um drama necessário e pesado, nas revelações, nas idealizações, nas confissões. A cena em que Massimo responde uma carta de um leitor é absolutamente comovente. Bellocchio, ciente disso, a partir de seu roteiro emotivo, transgride o drama da leitura ao irromper com a ternura e exaltar o sarcasmo. A lágrima que poderia estar escorrendo dos olhos do espectador cessa instantaneamente. Não é pra cair no melodrama.
Outros instantes em que mãe e filho assistem a filmes de horror demarcam outro aspecto da relação entre ambos, mas nesse ponto surge sombria, um compartilhamento pessoal. Sangue de Pantera (Cat People, 1942) é uma das sessões – taí um filme de pulsões. E assim solidões, lembranças e paixões se somam em meio a cinematografia de um realizador perito em absorver emoções, encantando com a imagem e investindo nas incertezas de Massimo. O cordão umbilical é cortado tardiamente, no tempo em que sua cisão com o mundo parecia irreparável.
Vi o filme há pouco tempo e pensei: "Aposto que o Cineplayers vai lançar uma crítica para este em breve!"😁😋 Acertei, hehe...já estou a ver que sou a minoria em relação a Belos Sonhos, pois não gostei assim muito. Gostava que todo o filme fosse tão único como a cena inicial, o "namorisco" entre Massimo e Elise e, claro, a adorável cena de esconde-esconde (ti toisinha linda!*.*). Mas não achei que fosse...Massimo saiu um adulto bem chato!😋
Mas esta crítica, eu diria, está bem inspirada e gostei de algumas perpetivas que ela descreveu que eu não apanhei ao ver o filme. Vai ver, ainda revejo e gosto mais...