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Belezas em Revista

(Footlight Parade, 1933)
7,4
Média
8 votos
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Críticas

Cineplayers

A identidade de um musical

9,0

Dificilmente lembramos o nome dos diretores dos musicais coreografados por Busby Berkeley. Está claro que ele adquiriu, no arquivo dos filmes em que trabalhou, um reconhecimento como autor. E não é por acaso. Seus números excessivos, acontecimentos impossíveis para os palcos onde seriam, diegeticamente, encenados reafirmam uma construção de cena fílmica e, mais especificamente, do cinema sonoro. O caso não é diferente com Belezas em Revista (Footlight Parade, 1933), dirigido por Lloyd Bacon e coreografado por Berkeley.

Aqui, James Cagney interpreta Chester Kent, um tipo como o próprio Berkeley: um homem que tem a habilidade única de montar grandes e elaboradas encenações musicais para o teatro. Os números criados por Kent são chamados de “prólogos” e apresentados no início das sessões de cinema, introduzindo os filmes. Com a disseminação das tecnologias de som no cinema, as práticas de espectatorialidade vão mudando, e esse tipo de número vai saindo de moda, dando lugar a apresentações menos elaboradas. A solução encontrada por Kent, para continuar trabalhando, é montar um tipo de indústria do prólogo, produzindo massivamente para várias salas de cinema.

Belezas em Revista revela aí uma iniciativa metalinguística muito interessante. Inicialmente, parece haver uma nostalgia pelo teatro de vaudeville contra o cinema. Depois, no entanto, o filme vai ele mesmo desmontando essas próprias encenações teatrais ao nos inserir dentro da fábrica que as produz e das suas operações econômicas e de trabalho. Até que, enfim, ele lança mão do seu toque de mestre – ou toque de Berkeley – ao nos apresentar a sequência de números ali produzidos: espetáculos musicais, como veremos, que não poderiam ocorrer em qualquer palco que não o da encenação fílmica.

Da celebração do espetáculo de vaudeville diante do cinema, chegamos a uma afirmação radical das possibilidades formais do cinema sonoro. Outros musicais coreografados por Berkeley são também ambientados no mundo do show business e também criam números impossíveis para a encenação teatral, como o maravilhoso Cavadoras de Ouro (Gold Diggers of 1933, 1933), que tem para mim os melhores números de Berkeley. Geralmente, a trama envolve as desavenças amorosas de algumas dançarinas e um conjunto de oportunidades para acontecimentos cômicos. Mas Belezas em Revista, apesar de ter a sua própria parte de conflitos amorosos e desencontros cômicos, parece ser o único desses que confronta a incomensurabilidade da encenação teatral e fílmica.

Dito isso, os cenários habituais são igualmente encantadores. Gosto particularmente de como Belezas em Revista se organiza como uma comédia do espaço de trabalho, sendo o empreendimento de Kent a principal ambientação de quase todo o filme. Desse modo, ele consegue dinamizar as coreografias de cena e assim potencializar o texto cômico dando oportunidade para situações mínimas que vão se sobrepondo uma a outra em um dia de trabalho, com personagens entrando e saindo de escritórios, outros sendo demitidos e readmitidos no decorrer do filme. O ritmo acertado deve ser creditado a Bacon, que monta uma coreografia de cena à altura dos números de Berkeley.

E as construções metalinguísticas do filme não acabam aí. Em uma das soluções de roteiro mais interessantes do primeiro cinema falado, Belezas em Revista traz um censor como um dos personagens que compõem esse ambiente de trabalho. Ridicularizado – como pouco inteligente e hipócrita – ele demanda concessões às morais familiares e aos bons costumes. Brilhantemente, o filme se utiliza desse personagem para expôr suas próprias limitações e subversões no contexto do emergente Código Hays (que impunha condutas semelhantes de censura). Belezas em Revista se torna, enfim, um musical sobre aquilo que constitui a identidade do cinema musical.

Texto integrante da série Vestígios da Era de Ouro

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