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Belas Maldições

(Good Omens, 2019)
7,1
Média
8 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Blasfêmia hilária

6,5

Neil Gaiman está na moda no mercado audiovisual. Comparado a outros autores famosos contemporâneos (como o super-adaptado Stephen King), o ator por um bom tempo foi um discreto fenômeno cult dos quadrinnhos, que após terminar seu amado Sandman nos quadrinhos migrou para a literatura e na década de 2000 teve duas adaptações de sua obra: Stardust - O Mistério da Estrela e Coraline e o Mundo Secreto. O autor ficou quase dez anos sem ver uma nova adaptação até que em 2017 tivemos o filme Como Falar Com as Garotas nas Festas e a primeira temporada de Deuses Americanos, saída das páginas de seu romance mais conhecido. E o atual panorama de séries, catapultadas pela cultura de streaming, possibilitou a transposição de um projeto um pouquinho mais ousado e controverso. É assim que chegamos a Bela Maldições.

Contextualizando o leitor, Belas Maldições foi lançado em 1990, quando Gaiman estava na crista da onda com Sandman (iniciado em 1988) e resolveu lançar-se numa aventura literária com o amigo e conterrâneo inglês Terry Pratchett, famoso pela série de livros que misturam fantasia e humor Discworld, que tem A Cor da Magia como seu exemplar mais famoso. No livro, a dupla contou a história do anjo Aziraphale e o demônio Crowley, que se conhecem desde os tempos imemoriais e resolvem reunir-se, desobedecendo seus superiores e impedir o Anticristo de trazer a guerra do Juízo Final sobre a Terra. No caminho, encontraremos bruxas, profetisas, caçadores de bruxas, Cavaleiros do Apocalipse e outras figuras nascidas do imaginário judaico-cristão. Descrições e diálogos hilariantes, observações inesperadas e notas de rodapé nonsense transformaram a obra num clássico cult noventista.

Tornado série pela Amazon Prime tendo Gaiman como showrunner (atendendo ao pedido do amigo Pratchett, falecido em 2015), a série tem ao seu favor a escalação de seus protagonistas. David Tennant (Jessica Jones) como Crowley e Michael Sheen (The Good Fight) como Aziraphale estão bastante confortáveis como uma dupla sobrenatural atrapalhada e contrastante - pense em uma versão etérea do usualmente apalermado Gene Wilder e do falastrão Richard Pryor e já é possível ter uma ideia de como a dupla carrega os episódios.

Outro acerto é Frances McDormand (Três Anúncios Para Um Crime) como a voz de Deus, conseguindo trazer a ácida ironia britânica ácida para a narrativa do filme de maneira orgânica, lembrando bastante o mesmo recurso utilizado na recente Desventuras em Série, também saída dos livros: agora o narrador não é mais apenas um recurso impessoal em terceira pessoa, mas também parte integrantre que ajuda a aumentar o efeito cômico.

Devemos descontar que nem sempre todos os arcos funcionam: se o arco das bruxas profetisas e caçadores de bruxas é iluminado pela presença de Michael McKean, recentemente destacado em Better Call Saul e aqui em um papel excêntrico mas não simplista na sua esquisitice, capaz de jogar com várias nuances dentro do personagem. Porém, os protagonistas desse arco, Jack Whitehall como Newton Pulsifer e Adria Arjona como Anathema Device entregam performances muito mais convencionais que seria esperada de suas desajeitadas contrapartes literárias.

Para além do arco de Crowley e Aziraphale (às vezes explorado até demais, como no episódio que interrompe a trama sem mais nem menos para recordar a história dos dois) e o antagonismo formado por arcanjos e demônios que mal podem esperar em sair em guerra, a série exclui grande parte da graça de elementos como o arco das crianças e o arco dos Cavaleiros do Apocalipse - talvez em razão do tempo de produção e do orçamento disponível, o que pode ser visto também nos efeitos especiais bastante primários - mas ainda com o mesmo desfecho a princípio apressado.

Mas claro, nem só de subtrações negativas a série vive, mas também de adições positivas. A série estica o final em relação à mídia original e surpreendentemente melhora. Se o livro acabava repentinamente quase com o impacto de uma anedota, aqui temos arcos de personagem sendo fechados e algumas reviravoltas inesperadas mesmo para os fãs do livro, o que deixa a história com um encerramento muito mais satisfatório e bem-resolvido.

A série Belas Maldições ainda é muito mais convencional que o livro, é verdade, e entre arcos que sofreram cortes, elenco oscilante, catarses fáceis de roteiro e efeitos visuais que poderiam melhorar, o filme sobressai mantendo o espírito de acidez humorística, contando uma história com personagens carismáticos graças às boas atuações e com alguns momentos genuinamente engraçados, o que genuinamente interessa em uma comédia. Provocante do jeito que é (foi considerado bastante ofensivo por cristãos fervorosos), poderia ser ainda mais "porra-louca" - o "Apocalipse por Monty Python", como disse uma resenha do livro, mas do jeito que ficou até que dá para o gasto.

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