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Críticas

Cineplayers

O 3D nada acrescenta, mas A Bela e a Fera continua um espetáculo atemporal.

9,0

Os contos de fadas formam uma tradição milenar de histórias de teor fantasioso que foram sofrendo mudanças graduais com a passagem dos séculos. Poucos sabem, mas seu público-alvo antigamente era o adulto. Tramas geralmente carregadas de temas fortes, como adultério, estupro e vingança, foram aos poucos sofrendo amenizações até que o público infantil reconhecesse nelas algo com o qual se identificar. Hoje esses contos são exclusivamente voltados para as crianças, e um dos maiores responsáveis por essa infantilização sempre foi a Disney, que fez sua fama adaptando fábulas antigas, auxiliando nesse processo contínuo de mudanças. Se, no início da carreira, a Disney fez sucesso com clássicos açucarados, como Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937), Pinóquio (Pinocchio, 1940), Cinderela (Cinderella, 1950) e A Bela Adormecida (Sleeping Beauty, 1959), com o tempo ela própria percebeu que já estava na hora modificar algumas tradições nesses enredos românticos. A primeira tentativa de fazer algo mais jovial e menos clássico foi nos anos 1980 com A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 1989), um grande sucesso de público. Mas foi somente com A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 1991) que finalmente a Disney encontrou o ponto certo entre o tradicional e o diferente, conquistando e reconquistando legiões de fãs.

A razão do enorme sucesso de A Bela e a Fera deve-se à forma como conseguiu se conectar com o público infantil da época sem precisar abrir mão dos elementos mais tradicionais de um conto de fadas ao estilo Cinderela. Na verdade, seu maior segredo foi simplesmente inverter alguns papéis dentro de um enredo estruturado em cima do que há de mais convencional em uma animação. Engloba tudo o que se preze para um conto de fadas dar certo: o mocinho e a mocinha, o vilão, os objetos e animais magicamente falantes e inteligentes, a feiticeira e seu feitiço que precisa ser quebrado antes do cumprimento de determinado prazo. A diferença se encontra na posição em que cada um desses personagens é colocado. Bela, ao contrário do que costuma acontecer, é a heroína da história e precisa salvar o seu príncipe. Fera, que deveria ser um príncipe encantado belo e inteligente, na verdade é um monstro repulsivo que necessita de salvação. Seus papéis foram trocados e isso gera uma trama que valoriza de maneiras diferentes a figura de príncipe e princesa, e ainda conta com uma narrativa dinâmica e divertida, com direito a muitos números musicais e cores vibrantes.

A história é conhecida por todos. Um príncipe avarento e egoísta, que só sabia olhar a beleza externa das pessoas, é amaldiçoado por uma feiticeira e transformado num monstro medonho. Sua única chance de voltar à forma original é conquistando o carinho verdadeiro de uma moça, que seja capaz de amá-lo independente de sua aparência repulsiva, antes que a última pétala de uma rosa mágica venha a cair. Depois de perder todas as esperanças, Fera conhece Bela, uma camponesa introvertida e sonhadora pela qual se apaixona. Resta saber se Bela será capaz de retribuir o amor de um monstro.

Com base nesse ponto de partida onde o mocinho é colocado na posição de vítima indefesa, embora caracterizado como um monstro grotesco, e a mocinha é colocada na posição de heroína capaz de reverter o processo de maldição imposto pela feiticeira, A Bela e a Fera acaba encontrando seu ponto de originalidade e nos oferece uma linda história de amor baseado na beleza interior das pessoas. Contudo, jamais abre mão da magia que os antigos musicais do cinema sempre exerceram sobre o espectador. Trata-se de um trabalho preocupado em se conectar com seu público através de uma roupagem moderna, mas não sem antes apresentar a este mesmo público aquela mágica presente em animações da época da vovó. Por conta disso, conquistou pessoas de todas as idades, não parecendo infantil e chato demais para os adultos, nem ultrapassado e cafona para as crianças.

A ligação que esta animação construiu com seu público-alvo é seu grande ponto forte. As fábulas e contos infantis sempre tiveram como objetivo proporcionar às crianças não apenas uma diversão passageira, mas sim ajudá-las a projetar seus pequenos conflitos internos em histórias fantasiosas e aventureiras, se espelhando em algum dos personagens da trama e podendo assim encontrar nas atitudes de tal personagem uma resolução para suas dúvidas e anseios. Esses contos têm o poder de dar forma a sentimentos que muitas vezes as crianças nem mesmo sabem definir, mas que existe lá dentro delas se manifestando de alguma forma. Por materializarem esses sentimentos abstratos e torná-los palpáveis, solucionáveis, eles acabam marcando a criança de uma maneira muito mais profunda do que uma diversão qualquer.

Por conta de todo seu sucesso entre crítica e público, A Bela e a Fera fez história ao ser a primeira animação indicada ao Oscar na categoria de Melhor Filme, marco que só seria novamente alcançado mais de uma década depois com Up – Altas Aventuras (Up, 2009). Mais que isso, lançou base para trabalhos interessantes da Disney que também viriam a fazer muito sucesso, como Aladdin (idem, 1992) e O Rei Leão (The Lion King, 1994). Juntamente com Toy Story (idem, 1995) e O Rei Leão, talvez seja a animação mais importante da década de 1990. Seu relançamento nos cinemas é uma estratégia de marketing da Disney para fazer dinheiro, já que não foi projetado para ser exibido no formato 3D, tornando a iniciativa bastante inútil. Mas, por outro lado, é uma oportunidade para a nova geração de crianças conhecerem o estilo mais clássico dos desenhos antigos, e para os papais, titios e vovós relembrarem um pouco dessa época.

Com o tempo, as animações computadorizadas e o avanço da tecnologia fizeram de filmes no estilo de A Bela e a Fera algo ultrapassado, tanto na questão da técnica e da imagem, como também em seu enredo. As histórias de princesas já não fazem mais tanto sucesso atualmente, e o grande foco das produtoras é criar cada vez mais desenhos super inteligentes e criativos, de cunho pedagógico que conscientize as crianças dos problemas do mundo, mas talvez nem sempre com o mesmo coração. Por mais nostálgico que possa parecer, é essencial que produções voltadas para o público infantil se preocupem não apenas no entretenimento, mas também em marcar de alguma forma seu público-alvo. Com a enxurrada de animações que são lançadas a cada ano, é triste notar que nem metade tenham verdadeiro sentimento e conexão real com o universo infantil, e a maioria acaba caindo no esquecimento cedo ou tarde. Mas filmes como A Bela e a Fera nunca serão esquecidos. Posso afirmar isso, pois, quando saí da sessão de cinema, pude ver um sorriso sincero no rosto de todas as crianças que saíam da sala acompanhada de seus pais - assim como acontecia comigo quando eu tinha a idade delas. E tenho certeza de que se lembrarão dessa sessão durante muito tempo. 

E numa estação como a primavera
Sentimentos são como uma canção
Para a Bela e a Fera

Comentários (10)

Augusto Barbosa | segunda-feira, 06 de Fevereiro de 2012 - 08:45

Uma animação linda e divertida como essa consegue fazer melhor crítica ao ser humano do que muito filme por aí.

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 06 de Fevereiro de 2012 - 09:26

Estranho,agora que fui ver que não tinha dado nota !
Um dos meus preferidos de infancia,só isso...

Adoro esses contos singelos,hoje tudo cai em super-heroi,qualquer ação fisica,qualquer filme pra criança.É só super-heroi.

Marcus Almeida | sexta-feira, 17 de Fevereiro de 2012 - 10:38

Aquém do que esperei. Achei extremamente maniqueísta, corrido, e o Gaston é patético, mas é lindíssimo visualmente.

Vinícius Aranha | sexta-feira, 06 de Julho de 2012 - 22:00

Também não acho tão bom assim. Prefiro Atlantis.

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