Pautas familiares estão presentes nas abordagens cinematográficas desde que o cinema é cinema, e ao longo dos anos, foram responsáveis por diversos olhares revisionistas sobre o que é a constituição familiar, a relação entre pais e filhos, o que forma o cerne de uma família, etc (Shyamalan, em especial, é o cineasta contemporâneo que melhor demonstra apreço por essa abordagem). Não distante disso, a luta contra o vício pelas drogas já foi abordada, explorada e estudada exaustivamente através de filmes cujo olhar estético e narrativo sempre variam entre si para carregar um novo olhar para dentro dessa temática tão intimista e complexa, indo de Trainspotting - Sem Limites, passando pelo infame Réquiem para um Sonho e chegando até o especial Aos Treze.
Querido Menino, primeira incursão do cineasta belga Felix Van Groeningen no cinema americano (é dele o elogiado Alabama Monroe) traz novamente à tona estas duas abordagens, a constituição familiar e o vício por drogas ilícitas (mais especificamente, a metanfetamina), oferecendo uma iniciativa pouco usual para uma história baseada em fatos reais: o filme se baseia não somente em um, mas em dois livros de memórias que pertencem, respectivamente, aos personagens reais retratados, David e Nic Sheff, pai e filho que ofereceram em suas obras olhares distintos sobre a luta contra o vício (Nic) e a batalha empreendida por um pai para tirar seu primogênito desse caminho tortuoso (David). Como se nota, fica claro que ambos conseguiram atingir a superação necessária, e sabendo disso, Groeningen ao lado do roteirista Luke Davies (indicado ao Oscar por Lion - Uma Jornada para Casa) dá preferência para a amplitude que as duas experiências oferecem para o tema, e em como se completam, oferecendo um mosaico repleto de nuances para a história.
É notável, é claro, que grande parte do peso e da funcionalidade dramática de Querido Menino se dá, em especial, pela presença de dois nomes que, tão singulares entre si, se fazem de uma sintonia que respira para além da tela: Steve Carrell e Timothée Chalamet. O primeiro há anos que tomou a decisão de se afastar das comédias que fizeram seu nome como O Virgem de 40 Anos e O Âncora para se dedicar a novos desafios dentro de projetos ambiciosos como Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo e A Melhor Escolha, enquanto que o segundo, tendo surgido timidamente no Interestelar de Christopher Nolan, acaba de sair de sua primeira indicação ao Oscar pelo papel do jovem Elio de Me Chame Pelo Seu Nome. Como dois atores longe de qualquer acomodação, ambos se dedicam a explorar todos os pontos possíveis de seus personagens que, na desfragmentação de sua proximidade inicial, encontram no distanciamento a oportunidade de encontrarem a si mesmos. É lastimável que dois trabalhos tão completos tenham sido sumariamente ignorados pelas premiações.
Não que Groeningen se acomode com o notável preparo dos protagonistas (que recebem o apoio de coadjuvantes igualmente preparados), e muito da comoção com a qual Querido Menino atinge o espectador se dá pela sobriedade realista com a qual o diretor estuda aquelas relações, auxiliado principalmente pela edição fragmentada de Nico Leunen, cheia de idas e vindas no tempo que, mais do que embaralhar os acontecimentos e desafiar a percepção do espectador, oferece novas camadas para que os personagens se façam mais humanos, evitando o didatismo do “já sabemos como isso irá terminar” e revelando toda a profundidade dos atos e suas consequências e como cada vida será marcada por essa montanha-russa de emoções intensas, algo que Groeningen captura com muita destreza, por mais que a inserção de algumas músicas, no objetivo de evocar a emoção do espectador, soem intrusivas e manipuladoras (a cena com a música do Nirvana, em especial, é particularmente destoante demais). Mas raros são os momentos em que a peteca dramática cai, e há pequenos, mas valorosos momentos em que no meio do silêncio e da ausência de som, Querido Menino diz mais sobre a angústia interior daqueles personagens do que qualquer didatismo jamais o faria. Ouso dizer que, nesse caso, o momento mais comovente do longa seja o da madrasta Karen (uma surpreendente Maura Tierney) dentro do carro, entregue às lágrimas após todo o cansaço acumulado diante daquela situação. É de apertar o coração.
Oferecendo uma experiência que dá valor às diversas posições familiares (até mesmo as crianças, num momento assustador, revelam ter noção do que anda acontecendo) e, com isso, entregando um olhar bastante vasto e completo sobre o tema dentro do seio familiar, Querido Menino é tão doloroso e singelo quanto lhe é permitido ser, dotado de momentos que evitam a catarse para apostarem na sustentação natural dos sentimentos de confiança , suporte e amor que salvaram aquela família, e a cena final, num frame extremamente grandioso entre pai e filho, é a perfeita exemplificação disso.
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