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Críticas

Cineplayers

Um filme que arrisca ao se levar a sério.

7,0
Batman vs Superman - A Origem da Justiça se desenvolve em torno dum eixo central que ultrapassa os limites de um filme. Os dois personagens mais icônicos do universo DC são também os dois heróis mais notórios das histórias em quadrinhos americanas. Bruce Wayne e Clark Kent são dois baluartes da cultura popular, empurrada goela abaixo no segundo mundo através da expansão cultural dos Estados Unidos pós-Segunda Guerra.

Essa observação não visa desculpar o filme de Zack Snyder por qualquer coisa, mas apenas reconhecer que, enquanto personagens, Batman e Superman são muito mais do que somente isso. Juntos (e juntos de tantos outros) eles constituem uma fatia importante do patrimônio cultural da humanidade do século XX – e parte do que eu acho a respeito de super-heróis se revolve muito nesse recorte histórico: eles pertencem ao século passado. A emergência duma espécie de heroísmo calcada na falha, na incerteza e no entrelaçar-se do herói com um mundo profundamente corrupto (moral e espiritualmente, enfim) já é capaz por si só de definir Batman e Superman como figuras anacrônicas de um passado cada vez mais distante.

Por sorte, autores anteciparam ainda nos anos 1980 a derrocada do heroísmo retilínio, criando histórias ambientadas em universos paralelos e abrindo caminho para que novas articulações pudessem ser realizadas mantendo os heróis vivos, pulsantes e numa retransformação constante. Uma dessas histórias supostamente é O Cavaleiro das Trevas, adaptado por Nolan em 2008, para delírio dos fãs de super-heróis. O filme, na verdade, não me tira mais do que bocejos, além de uma admiração hipnotizante por Hearth Ledger que roubou o filme para si, como poucas vezes vi na história do cinema um ator fazer, antes de se despedir fatalmente de nosso mundo.

O que eu tenho tentado dizer, enfim, é que eu não reconheço o Batman de Christian Bale como um anti-herói de verdade. O personagem de Bale é marcado por incertezas e dúvidas a respeito de si mesmo, mas O Cavaleiro das Trevas não chega nem perto de alcançar algum tipo de subversão moral em termos de protagonismo/antagonismo como consegue, pra ficar num exemplo popular, Death Note. Talvez esse seja um desacerto de Nolan, ou algum tipo de travamento mercadológico exigido pelo estúdio, ou talvez o que apareça na tela seja realmente o que Frank Miller realizou em 1986.

Não sou um completo ignorante a respeito de histórias em quadrinhos, mas sou bastante ignorante. Já li algumas histórias (como All Star Superman), mas além do impacto político e cultural causado pelas histórias no mundo real, pouca coisa a respeito do universo das hqs americanas me interessou. Ainda assim, decidi ir ao cinema para ver Batman vs Superman, não tanto motivado pelo tão antecipado confronto entre os dois super-heróis, quanto pelo interesse, de certa forma distante, em acompanhar algo que se parece muito como uma alternativa ao Universo Cinematográfico da Marvel.

Imediatamente duas coisas me chamaram a atenção no filme de Snyder, principalmente levando em consideração os filmes da franquia Marvel: o Batman de Ben Affleck é claramente motivado pelo ciúme e pela vaidade, sua jornada pessoal dentro da história sendo construída em subterfúgios psicológicos para mascarar esses estímulos mesquinhos, colocando esse Bruce Wayne como um autêntico anti-herói, até porque ele se reconhece como um, especialmente comparando-se com Clark Kent, um personagem que o convence da bondade no mundo; além disso, é revigorante assistir a um filme de super-herói que se leva a sério e confia no material que tem em mãos.

O principal defeito em todos os filmes da Marvel (à exceção do bom O Captão América: O Primeiro Vingador) é o uso excessivo de humor, que desassocia e afasta o espectador da história enquanto experiência narrativa, ao mesmo tempo em que transforma o filme num espetáculo de sentidos esvaziados. É preciso coragem para realizar o drama. As camadas de sarcasmo e deboche em filmes como Homem de Ferro ou Homem-Formiga colocam o humor como meio e fim de suas histórias, ao invés de focá-las no que é essencialmente fundamental: o personagem.

Portanto, a épica batalha de The Avengers: Os Vingadores, onde cada personagem se exibe graciosamente em suas características principais no meio de uma cena de destruição em massa, torna-se a exceção e não a regra. Isso obviamente não é culpa só da Marvel, que possivelmente responde às suas pesquisas de mercado e entrega um produto formatado até o último frame para um público alvo bastante específico. Existe uma lógica de imagem que rege tudo isso, muito anterior à Avengers, e que é responsável por esse desejo de consumo impassivo e letárgico de imagens dentro de um contexto despretensioso propiciado pela comédia e pela ação. Um contexto ao qual todos nós estamos claramente sujeitos a participar, uma vez ou outra.

Talvez por isso a crítica esteja recebendo Batman vs Superman com tamanho desprezo. O filme se recusa ao deboche e a despretensiosidade. Snyder insere os míticos heróis dentro de um pano de fundo político, meio que micro-global (?), afim carregá-los de verossimilhança e, principalmente, de realidade. A história do filme se desenrola através de noticiários e sessões na câmara de senadores americana, buscando inserir Batman e Superman numa realidade como a nossa, calcada pelas instituições, pela economia e pelo caos.

O filme é ao mesmo tempo dois. É primeiramente uma história sobre a caça de Batman pelo Superman, enquanto este lida com seu lugar na opinião pública. Esse ato perdura até a batalha que dá título ao filme e é altamente denso em diálogo e trama. As cenas de ação surgem, aparentemente, como uma espécie de alívio dramático para essa densidade narrativa, e pertencem ao campo da alucinação ou do lúdico. Manifestam o desejo de Wayne em enfrentar o Superman e retratam o esforço de Kent em fazer o melhor possível para ser bom para as pessoas.

No segundo ato a ação é predominante. Batman e Superman se aliam para enfrentar a besta de Krypton ressuscita por Lex Luthor. Inegavelmente ele (o filme) se perde em meio à destruição e à profusão de efeitos de computador. As imagens passam a fazer menos sentido. Juntas, elas indicam mais ou menos o que está acontecendo: uma batalha, algumas explosões, algumas perseguições, tiros. A compreensão é gerada através da sucessão imperceptível de uma imagem após a outra, e não da imagem em si. O filme, enfim, torna-se mais padronizado.

Percebo a distinção entre dois atos do filme com uma certa tristeza. Snyder poderia ter arriscado mais. Permeiam o filme cenas de ação competentes cinematograficamente, bem coreografadas e retratadas. O próprio confronto entre Batman e Superman é marcante. À meia-luz numa mansão abandonada, a câmera de Larry Fong (colaborador corriqueiro de Snyder) enquadra pacientemente os dois heróis, estabelecendo relações de superioridade e inferioridade que variam conforme o desenrolar da luta. O espectador não é alienado das imagens, sendo responsável por captar os sentidos através da rapidez incessível com a qual uma imagem sucede à outra. Ao invés disso, nós podemos de fato olhar para dois gigantes enquanto eles batalham, na chuva, no escuro, sob escombros. É sem dúvida um grande momento do cinema blockbuster.

A impressão, porém, é de que faltou coragem. Talvez a besta de Krypton nem precisasse existir da mesma maneira, meios mais criativos ou sutis poderiam ser utilizados para estabelecer a gênese da Liga da Justiça. Ou talvez tudo poderia ter acontecido do jeito que foi, a cinematografia encarregando-se de retratar a batalha de Superman, Batman e Mulher Maravilha versus o Doomsday de maneiras menos caóticas e mais visualmente interessantes.

O filme conta com belas atuações, valendo destacar Jesse Eisenberg misturando O Coringa de Hearth Ledger com o seu próprio Mark Zuckerberg numa versão odiosa de Lex Luthor. Também Holy Hunter é especialmente expressiva até os últimos momentos de sua personagem no filme. Gal Gadot possui uma presença significativa, talvez por ser incrivelmente bela, mas senti-a caricata em momentos dramáticos mais exigentes. Henry Cavill me aparente inexpressividade, apesar de ser fisionomicamente muito próximo do que deveria ser um Superman. E Ben Affleck está, sem dúvidas, numa de suas melhores atuações.

Entre os grandes momentos do filme incluem-se a sequência de abertura, totalmente focada no passado de Bruce Wayne; a primeira aparição de Gadot como Mulher Maravilha, acompanhada de uma trilha sonora estilizada dessoante da que permeia todo o filme, imediatamente arrancando aplausos empolgados da sessão (um momento que, Deus me perdoe, me remeteu bastante à primeira aparição de John Wayne em No Tempo das Diligências); e os arquivos em vídeos que mostram outros integrantes da futura Liga da Justiça, um momento certamente empolgante para os fãs dos quadrinhos e que me deixou de certa forma empolgado também, embora eu seja indiferente às hqs.

Há certamente um excesso de informações perpassando todos os pontos da história. Não apenas os easter eggs, que poderão ser retomados ou não em filmes alternativos futuros, mas de fato todas as antecipações do roteiro para este e para os futuros filmes do universo DC foram realizados para que o filme não soasse abrupto e inconsistente. Particularmente, eu não me incomodo com excesso de informações textuais, desde que seja dado ao espectador a possibilidade de absorver essas informações enquanto usufrui da experiência cinematográfica (que a mim diz muito a respeito da percepção de sons & imagens dentro de um contexto narrativo de desenvolvimento de história/personagem; mas essa é só a minha opinião).

Zack Snyder é um diretor muito criticado pela sua estilização espetacularizante de imagens: o uso opulento de câmeras lentas e a quantidade imensa de informações visuais dentro de um quadro são as marcas pessoas mais predominantes do seu cinema, além do CGI excessivo, característico em blockbusters de maneira geral. Se essas características são irritantes ou não, depende muito do gosto pessoal de cada espectador. Na minha opinião ele é um cineasta competente em articular as funções de um diretor dentro de um contexto mercadológico despessoalizante e exigente e, ainda assim, conseguir imprimir suas marcas e realizar trabalhos até certo ponto autorais. Grande parte da ação (dramática) de Batman vs Superman transcorre de maneira equilibrada, com a câmera de Snyder atenta às demandas específicas de cada cena – veloz quando pode ser, estática quando necessária, com muita ou pouca profundidade, etc.

Acima de tudo, Snyder aproxima-se do conflito moral de seus personagens com rigor impressionante. O filme se nega a transcorrer mais rápido do que precisa para retratar um Superman profundamente triste em não reconhecer o seu lugar no mundo e um Batman mesquinho, pela centralização do poder. Os caminhos que a história toma nem sempre são os mais naturais. Há curvas desnecessárias e excessos incômodos. Há um terceiro ato que coloca o espectador no lugar da passividade enquanto acompanha letargicamente o desenrolar de uma batalha pouco empolgante. Mas eu admiro o filme por tentar. Por tentar ser dramático e sombrio, por mostrar um certo respeito a dois personagens entranhados na consciência popular de todas as pessoas, por pegar esses personagens e inseri-los em uma história dramaticamente pesada, atmosfericamente séria.

Comentários (39)

Pedro H. S. Lubschinski | terça-feira, 05 de Abril de 2016 - 12:52

eu nem planejo rever pq já sei que vou odiar sem o elemento de novidade

Felipe Ishac | terça-feira, 05 de Abril de 2016 - 12:53

viu que eu mudei a nota no letterboxd?

Felipe Ishac | terça-feira, 05 de Abril de 2016 - 12:53

n devia ter revisto mesmo, fui bobo.

Luiz F. Vila Nova | domingo, 19 de Março de 2017 - 12:20

A melhor critica sobre o filme que vi até agora. Revi o filme hoje, e apesar de reconhecer alguns dos problemas mencionados por críticos e haters, o filme subiu no meu conceito.

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