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Críticas

Cineplayers

O Brasil nos tempos da cólera.

5,0
Desde a estreia com Terra Estrangeira, dirigido em parceria com Walter Salles, o cinema de Daniela Thomas sempre teve um viés fortemente político. O Banquete não é diferente, marcando um retorno a um pano de fundo semelhante: o crítico e divisivo Governo Collor, com momentos tão marcantes como o confisco da poupança, que afetam os imigrantes em Terra Estrangeira, quanto o episódio da Lei de Imprensa, que atravessa boa parte de O Banquete.

Em época de instabilidade política (não muito diferente de hoje), oito amigos se reúnem na casa de Nora e Plínio para celebrar o aniversário de dez anos de casamento do casal Mauro e Bia. As oito pessoas são representantes arquetípicos da classe alta brasileira, entre advogados, atrizes, críticos, colunistas sociais, etc. A partir do momento que entram na sala de jantar, jamais conseguirão sair, com poucas exceções - como o garçom Ted, que contempla tudo, silencioso da cozinha.

A câmera flutua muito próxima no espetáculo de crueldade do filme, onde copos de vidro são a moldura para “ver através” dos personagens escondidos pelas grandes colunas dos cigarros que sopram o tempo todos. Alguns, como o colunista Luciano “Lucky”, incitam falar sobre sexualidade e os outros a contarem seus podres, os amigos de longa data Plínio e Mauro se digladiam com a preocupação do segundo ser preso pela Lei de Imprensa após escrever um artigo contra o presidente Fernando Collor de Mello.

Dentro dessa estética, que a princípio permite ser um filme onde seus atores podem ir até o limite de suas performances à medida que o lado feio da burguesia, da intelectualidade e da classe artística evidente desde o início da obra, mas também cai em um didatismo. A representação é por demais arquetípica, muitas vezes calcada em cima de frases feitas, tornando a maneira tão próxima e incômoda de filmar como algo selvagem em uma coleira, como se o espetáculo de crueldade tivesse de vez em quando de parar para que seja possível fazer um discurso político. 

Dentro dessa construção, são pessoas arrogantes por conta de seu dinheiro e poder, que afirmam suas visões de mundo sobre os outros, tem falsa piedade e noções de democracia enquanto praticam tirania, apoiam e rejeitam o político que tanto representa seu espírito, enfim. Encarnação viva da hipocrisia em rota de colisão com os próprios erros, discursando tal e qual manda o livreto.

O filme tem várias pequenas explosões, mas nenhuma de fato que envolva todos os seus personagens. Há protagonistas claros, e questões dos outros personagens (a maneira que o colunista social assedia o cozinheiro do jantar de maneira insistente e imprópria) é logo esquecida., Há personagens, como a atriz interpretada por Bruna Linzmeyer, que pouco diz a que veio a não ser mostrar o caráter algo perverso dos personagens.

Lançado após Vazante, que provocou polêmica no Festival de Brasília ao abordar a época da escravidão de uma forma que incomodou espectadores negros, o segundo longa-metragem solo de Daniela Thomas pode não ser tão problemático, mas tem o mesmo problema de boas ideias, tanto estéticas quanto narrativas, engessadas por um filme que se desespera para provar um ponto, afirmar uma tese. Com isso, seus personagens viram apenas caricaturas grotescas e o “desgoverno” da câmera é, de maneira frustrante, controlado. Interessante, mas tem o potencial desperdiçado.

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