O polêmico Babel, de Iñarritu, é bom e irritante, na mesma proporção.
No Festival de Cannes deste ano, jurados, crítica e público presentes se dividiram em relação a Babel, de Alejandro Inãrritu. Segundos os relatos dos jornais europeus, parte considerou o filme uma grande obra da era globalizada - a ação transcorre em três continentes (América, Ásia, África) envolvendo imigrantes, adolescentes e brancos endinheirados. A outra parte achou um embuste, violento e publicitário. No Brasil, enquanto Aimar Labaki defendia, na Folha de S. Paulo, o filme como obra-prima pós-moderna, o crítico Luis Carlos Merten, de O Estado de S. Paulo, apontava os exageros politicamente corretos de quem pedia a Palma de Ouro para a obra.
Enfim, impossível ficar impassível ao filme e ao talento de Iñarritu e sua equipe. Sem dúvida é um roteiro bem costurado, de Guilhermo Arriaga, que venceu o mesmo festival no ano passado por Os Três Enterros de Melquiades Queimada. Belas são a fotografia de Rodrigo Pietro e a música de Gustavo Santaolalla - esta, usada sem comedimentos, insistentemente presente, sem trégua, durante as longas duas horas e meia de filme.
Iñarritu é um cineasta talentoso (levou o prêmio de melhor diretor), mas sua violência moralista, seus cacoetes publicitários e a megalomania narcisística atrapalham Babel a ponto de se tornar irritante em alguns momentos. Quando está na África, sua visão dos adolescentes marroquinos é tão estereotipada quanto os dos diretores brasileiros filmando os nordestinos. Nesse ponto, o mexicano está ligado à tendência do cinema brasileiro chamada “cosmética da fome”, a de filmar a pobreza com extrema beleza.
Brad Pitt (com rugas e grisalho nas têmporas e na barba) e Cate Blanchett fazem o casal em guerra conjugal curtindo férias – o cenário é Casablanca. Ele fugiu de casa quando o terceiro filho do casal morreu. Tentam a reconciliação até que ela leva um tiro dos adolescentes marroquinos (um deles, logo depois de se masturbar com a visão da irmã trocando de roupa). O rifle usado era de um caçador japonês que tem uma filha adolescente surda-muda. Esta, revoltada, parte numa cruzada para fazer sexo depois de ser provocada por amigas e de ser desprezada por uns garotos (a mãe suicidou-se e, ao que parece, a filha seguirá o mesmo caminho). Enquanto isso, o casal de filhos dos americanos é levado pela empregada mexicana até o México para o casamento do filho desta. A volta será trágica para todos.
Iñarritu não corta suas cenas. Estende-as à beira do patológico. Percebe-se que se acha um gênio. Com dinheiro para uma superprodução, arquiteta as cenas com requintes maneirísticos desnecessários, como o longuíssimo vôo de helicóptero por Casablanca ou a cena final, na sacada de um prédio em Tóquio, com efeitos visuais e computação gráfica usados de maneira novo-rica e espalhafatosa: o resultado é de mau gosto.
Na maior parte do filme, o roteiro (bem filmado, diga-se) encarrega-se de manter o suspense e o interesse. Mas a duração excessiva (os demais filmes de Iñarritu também são bastante longos; concisão não é sua especialidade), as firulas de câmera e o excesso de estímulos visuais e sonoros (além do amontoado de subtramas, muitas delas deixadas incompletas) vão tornando o filme um fardo. Não que seja difícil assistir ao filme, pois o diretor tem senso de narrativa. Mas a sensação que se tem é de que não vai terminar nunca – parece uma novela, ainda mais pelo melodrama pesado que toma conta das estórias.
Em resumo, Babel tem as qualidades de Amores Brutos e os defeitos de 21 Gramas, reforçados em ambos os casos. A embalagem é bonita e feita para surtir efeito, como uma grande peça de propaganda, não se poupando de apelações. Um filme tão bom quanto irritante, na mesma proporção.
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