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Azougue Nazaré

(Azougue Nazaré, 2016)
7,4
Média
9 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Maracatu dos sonhos

9,0
Tiago Melo já trabalhou na produção com Kleber Mendonça Filho e com Gabriel Mascaro em filmes que rodaram o mundo, ainda que tão particulares. Não é de se estranhar que seu primeiro longa como realizador tenha feito o mesmo caminho e seja ainda mais específico que Aquarius e Boi Neon. Um recorte muito específico sobre vários significados e significantes do nosso país, Tiago criou um painel de personagens para declarar amor através de imagens, de suas atitudes, de seu trabalho corporal, que incita o outro. Partindo da ideia de procurar a linguagem documental para criar uma ficção possível mediante tantos elementos, o filme é acima de tudo uma celebração ao artista brasileiro, que precisa se expressar sob qualquer circunstância.
O projeto inicial de Tiago era partir da ação documental, ideia da qual foi demovido ainda na pesquisa. Convencido pela própria população onde foi pesquisar a não apenas ficcionalizar seu longa como a utilizá-los em cena, o que temos é um exemplar típico do novíssimo cinema pernambucano, no que isso tem de bom e ruim, e que pra mim se traduz de maneira muito mais positiva. Ainda que essa estratégia não seja exatamente nova, o artifício usado geralmente obedece a um padrão de direção e alcance. Traduzindo, coube nas costas do próprio Tiago a responsabilidade de acertar com o projeto e torná-lo crível e cinematográfico ao mesmo tempo. Um trabalho desses a cargo de um estreante poderia implodir, felizmente o diretor teve os melhores professores/exemplos possíveis à sua disposição.
O mais importante é o quão vivo o filme parece, pulsante e cru. Com agilidade e uma certa dose de despretensão, Tiago consegue captar muito mais do que uma realidade; ele consegue inserir seu manancial como contador de histórias ali da forma mais equilibrada possível. Concebido como um projeto coral, dono de várias vozes, umas complementando as outras, tornando-as relevantes e compondo um painel geral, Azougue Nazaré conta com um elenco de atores não-profissionais que surpreendem pela forma como absorveram o roteiro a seu jogo, que acrescentou elementos fantásticos a realidade mundana da cidade onde moram. Tiago não apenas os dirigiu ou os inseriu em contexto ficcional, como costurou uma narrativa de suspense-policial ao campo.
Tecnicamente, Tiago concebeu também um filme incrível, repleto de texturas, sonoras, visuais, estéticas e emocionais. A cargo de André Sampaio, a montagem do filme é um personagem parte. Lidando com inúmeros elementos, estruturas narrativas múltiplas, um celeiro de personagens diversos, uma proposta estética incomum, e vários gêneros que se alternam em cena, indo da comédia ao musical, passando pelo terror, o drama e o filme-denúncia, André dá conta de uma tarefa hercúlea, se saindo como um dos grandes heróis responsáveis pela adequação geral, do universo multifacetado pensado por Tiago para celebrar a possibilidade das diferenças serem exaltadas e experimentadas, além da carta de amor ao maracatu que o filme de fato é.
Do elenco de revelações, é de Valmir do Côco que nossa memória levará. Talvez por simplesmente ser ele a melhor definição do afeto que o filme sugestiona, talvez pelo seu rosto ser dos mais expressivos na tela, talvez porque seu corpo entende e se move na direção do que o filme ambiciona, talvez porque ele exale maracatu em cada cena. Tiago conseguiu ao lado de Jeronimo Lemos conceber um roteiro ousado e ao mesmo tempo acessível a cada um daqueles jovens atores, e alcançar junto a eles uma lufada de juventude no ar, de alcance dos quereres e dos desejos materializados.
Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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