Yaojun e Liyun se preparam para almoçar com seu filho ainda pequeno. Anos depois, eles retornam a esse movimento já de maneira desgastado, com o momento da refeição se transformando numa catarse familiar. Já com mais de 60 anos, recebem enfim uma ligação desejada há tanto tempo. Na verdade não apenas uma, mas várias, que os retira do lugar de espera e distância para reativar laços e reencontrar formas adaptadas de viver, tendo resistido a uma tragédia pessoal e outras menores. No pano de fundo, a China dos últimos 35 anos, seus revezes sociais e políticos e as transformações pelo qual aquele país não apenas passou, mas também proporcionou ao seu povo.
Por trás da roupagem do melodrama tradicional tratado de maneira realista e pungente, Até Logo, Meu Filho grita contexto político em cada cena. O diretor veterano Wang Xiaoshuai faz um recorte de vidas possíveis para inseri-las no contexto macro que corre em paralelo, embora muitas vezes uma situação invada a outra e contribua para um reflexo positivo narrativamente, ao ponto de conseguir criar uma comunicação direta com o cinema de Jia Zhang-Ke, suas metáforas político-sociais e sua delicadeza ao retratar as relações humanas através de um período. Xiaoshuai vai além da proposta metafórica de Jia, porque suas intenções são muito mais ligadas a tradição do melodrama clássico universal, que ele desenvolve com destreza tanto para atualizar o gênero quanto para homenageá-lo.
O trabalho de construção de planos e de ressignificação da imagem já impressiona desde os primeiros 10 minutos de filme, onde Xiaoshuai filma seu prólogo como se testemunhasse o início do fim; com distanciamento e parcimônia, a represa é uma inimiga que o filme respeita e por isso se mantém longe. Nas refeições, o respeito pela tradicional arte culinária também nos coloca a observar a degustação por entre frestas. E na dor insustentável, a direção também não a explora, mantendo-se sempre distante. Algumas das imagens capturadas com esse cuidado ficam impressas pelo rigor estética e a plasticidade elaborada, sem nunca soar artificial ou forjada.
Aos poucos o filme vai desconstruindo sua narrativa sem perder o foco do particular. Localizado em ambientes de exploração trabalhista e emocional, o filme avança pelas décadas mostrando a desvalorização da mão-de-obra em nome de uma mecanização do setor que só acelera o processo de perda da humanidade, tanto nas relações pessoais quanto nas profissionais. O filme ainda encontra espaço para ironia ao evidenciar os cartazes que indicam uma prosperidade formal da sociedade na qual seus personagens principais não experimentam. Também passo a passo, o roteiro experimenta avançar sobre o terreno da recessão, enquanto também recessam os sentimentos entre o sexteto de amigos do filme, que se perdem ao longo dos dramas pessoais que os apartam.
O diretor ainda cria situações para que o caráter intrínseco do melodrama seja aceito para além do gatilho de gênero, e sim trafegue narrativamente sem laços obrigatórios. O melodrama acaba então fazendo sentido independente dos signos porque existe um sentimento de empatia que une aqueles personagens, um afeto muito crível que só é possível acompanhar graças ao formidável trabalho conjunto do elenco, todos indo da introspecção ao desespero (ou vice-versa) e sendo mais um elemento de importante comunicação com o resto do projeto, daqueles casos onde a sensibilidade e a excelência narrativa e estética caminham a se complementar. Contrapondo críticas efetivas ao governo a uma profunda história de amor entre pais e filhos, Até Logo, Meu Filho é vitrine para um cinema completo.
Crítica da cobertura da 43ª Mostra de São Paulo
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