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Assistente, A

(Assistant, The, 2019)
7,3
Média
34 votos
?
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Críticas

Cineplayers

Um filme intimista sobre o assédio sexual na indústria hollywoodiana

8,0

Assim que surgiu o movimento Me Too nos Estados Unidos, mais especificamente no microcosmo hollywoodiano, a comoção foi sem escalas. Boa parte desse fenômeno se deveu a um nome: Harvey Weinstein. O super produtor de Hollywood foi responsável por uma das maiores jogadas de marketing que levou a até então pequena Miramax ao topo de premiações de ponta como o Globo de Ouro e o Oscar. Por meio de campanhas agressivas de promoção dos filmes com os votantes, Weinstein foi responsável por feitos incríveis como o infame Oscar de Gwyneth Paltrow em 1999. Quando o movimento tomou força, endossado por nomes como Angelina Jolie e pela própria Paltrow, o impacto foi irreversível para o Studio System, evidenciando de forma dramática o ambiente estruturalmente machista, e até mesmo predatório, da elite do cinema americano.

Até agora poucas obras se propuseram a tratar do assédio no cinema e na TV, com destaque para a série da Apple Tv +, The Morning Show (2019), de Jay Carson, e o oscarizado O Escândalo (2019), de Jay Roach. É um tema ainda recente, deflagrado em 2017, que demanda certa cautela e muita coragem. Essa parece ter sido a abordagem adotada por A Assistente (2019), escrito e dirigido por Kitty Green, que também dirigiu o documentário para a Netflix Quem é JonBenet (2017). Seu primeiro longa de ficção, lançado no Brasil esse ano pela Amazon Prime Video, aposta em uma atmosfera sufocante no ambiente de trabalho de uma empresa produtora de cinema, tocando, sem pesar a mão, no olho do furacão do movimento Me Too.

Jane é uma jovem assistente do chefe de uma produtora de cinema, uma figura imponente e ameaçadora que nunca se mostra para o público na tela. Mesmo ambicionando um lugar de destaque como produtora, Jane se ocupa das tarefas mais subalternas no escritório, de lavar a louça dos outros empregados a limpar a sala do chefe. Além disso, tem que lidar com pequenas humilhações, muitas de cunho machista, de seus colegas homens mais próximos, os outros assistentes que não cumprem as mesmas tarefas que ela. Mas a chegada de uma nova assistente e a forma como a mesma é “selecionada” para o trabalho faz com que ela decida tomar uma medida definitiva contra seu chefe.

A Assistente escolhe trilhar uma curta jornada intimista de um dia interminável na vida de Jane, um pequeno mosaico para pequenas violências. A rotina domina o filme até que possamos entender o que está acontecendo. A jovem está tão sobrecarregada com o trabalho que não percebe as violências ao redor, talvez por elas já fazerem parte da paisagem. O cotidiano sufoca por sua banalidade. Ao escolher essa abordagem nada estrutural, Green tenta captar a delicadeza de movimentos tão hostis e acachapantes por trás das ações do produtor chefe. A relação abusiva que Jane tem com seu chefe, entre gritos ao telefone e e-mails de desculpa, move suas ações: Jane desconfia que ele é um predador, mas ao mesmo tempo sonha em estar no seu lugar. Esse é o conflito motor da história: ético e contemporâneo.

A cena em que Jane procura o responsável dos recursos humanos é cabal. Nela, vemos de forma explícita como a estrutura desses espaços de trabalho protege os assediadores e predadores. Para os demais trabalhadores do escritório, sua conduta não é um segredo, deixando no ar um clima de compactuação. Jane, por si, sofre com o conflito entre preservar seu próprio trabalho e proteger as vítimas do personagem inspirado em Weinstein.

Michael Latham opta por uma cinematografia com planos estáticos e monótonos. Os cenários são feios e deprimentes, lembrando uma ofensiva confidencial, que trava uma batalha para se esconder. A personagem de Julia Garner opera como o centro de todos os enquadramentos, com sua rigidez gélida, que só posteriormente mostra medo e indecisão. Essa agência da personagem é permeada por uma montagem repetitiva de tarefas enfadonhas do escritório, nas quais, aos poucos, Jane vai assumindo sua posição diante das ações ao seu redor.

Embora o filme entre no tema do assédio sexual no trabalho, em especial na indústria do cinema, ele deixa claro a complexidade do seu objeto. Vários agentes atuam de forma isolada, criando uma estrutura que não apenas deixa impune o assediador como o incentiva. A cadência da trama, sua morosidade em entregar o conflito, pode causar uma dificuldade em sua fluidez. Mas essa abordagem possui mais acertos do que erros, principalmente por escolher uma forma intimista e individualizada ao extremo na figura de Jane para tratar o assunto. É um olhar feminino problematizador, mas nada impiedoso. 

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