6,0
A premissa de Bird Box (idem, 2018) não difere muito daquelas que vem aos montes todo ano no cinema pipoca americano, sobre futuros pós apocalípticos em que um grupo de sobreviventes luta para se salvar em um mundo quase que totalmente devastado. O ponto de diferença no caso está na visão comprometida dos personagens, que devem vendar os olhos para não serem vítimas do que quer que seja responsável pela onda de suicídios que limou quase toda vida humana na Terra. Uma vez em contato visível com essa “força”, a pessoa acaba entrando num transe e rapidamente procura tirar a própria vida. Inspirado num best-seller que no Brasil ganhou o título de Caixa de Pássaros e foi publicado pela editora Intrínseca, o filme de Susanne Bier lembra muito a dinâmica do recente Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), em que os personagens não podem emitir nenhum tipo de som, senão acabam atraindo criaturas assassinas de audição ultrassensível.
A ideia do apocalipse dentro dessa sinopse se potencializa com a ausência do sentido mais primário numa situação de sobrevivência e fuga. Como se manter protegido de algo que não se sabe o que é, de onde veio e que sequer pode ser visto? A dificuldade da empreitada concentra em si todo o mistério e suspense que a diretora procura imprimir, fazendo de Bird Box quase um terror ocultista travestido de ficção-científica de sobrevivência. Narrado em duas linhas temporais diferentes, a trama se desenha a partir do início do caos e é abordada simultaneamente no tempo presente, de modo a afunilar as pontas soltas até culminar num clímax onde as duas narrativas se cruzam finalmente em uma.
O problema está não somente na sinopse mais que desgastada, mas principalmente no subtexto também reciclado do personagem durão fugindo dos fantasmas do passado e protegendo algum indefeso, e dos coadjuvantes divididos entre os tipos histérico, tapado, medroso, misterioso e encrenqueiro. É como se esse tipo de história só pudesse ser desenvolvido em cima dessa mesma sucessão de acontecimentos e com os mesmos padrões de comportamento, de modo que é possível prever cada cena com base no que já foi visto um milhão de vezes em trabalhos como Fim dos Tempos (The Happening, 2008) e O Nevoeiro (The Mist, 2007). A opção por intercalar passado e futuro também mata qualquer suspense sobre quais do grupo de sobreviventes iniciais conseguirão passar com vida. Quando só se vê Sandra Bullock e as duas crianças no tempo presente, fica fácil deduzir que todo o resto não passa de gado indo para o abate, mesmo que nesse meio se encontre estrelas como John Malkovich, Trevante Rhodes, Jacki Weaver e Sarah Paulson.
O que salva é a opção inteligente de jamais conduzir a narrativa para um momento de “revelação” da origem, propósito ou significado daquele mal, o que poderia resultar em cenas explicativas lamentáveis com efeitos especiais duvidosos. Enquanto se mantém o suspense em torno do mal, o filme consegue manter ao menos o pique e o interesse. Sandra Bullock, por sua vez, também defende sua personagem como pode e oferece credibilidade, impedindo o filme de cair no ridículo.
Bird Box poderia se enveredar por uma análise sobre a condição humana e a banalidade da vida, mas a ideia parece se voltar mais para um episódio muito longo de Além da Imaginação ou A Quinta Dimensão, sem grandes pretensões analíticas. Para Susanne Bier, a diretora, resta a confirmação de sua predileção por histórias de muito apelo popular, nas quais procura imprimir certa identidade de autor, mas quase sempre sem sucesso. Para a adaptação de um best-seller produzida pela Netflix e estrelada por uma das atrizes mais populares do cinema americano, é exatamente o tipo de filme pipoca que bomba quando lançado em fim de ano e garante uma boa e esquecível sessão.
É o típico filme que daqui a uns 10 anos vira referência e vai para a prateleira dos cults como análise psicológica de enfrentamento da realidade e blábláblá. Dez dentre dez críticas de situações semelhantes mordem e depois assopram.