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Críticas

Cineplayers

O Artista ontem (e hoje).

6,5

Dentre os diversos momentos paradigmáticos da história do cinema, talvez o maior deles seja a passagem do silencioso para o sonoro, que acontece ao final da década de 1920. Há, como sabemos, toda uma filmografia que lida com o imaginário desta transição, desde Cantando na Chuva (Singin' in the Rain, 1952), o clássico dentre os clássicos (pela chave do humor), até Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), em registro mais próximo ao terror, para ficarmos em dois bastante conhecidos - e que estão inclusive onipresentes no universo de The Artist, esse curioso filme de Michel Hazanavicious, que hoje adicionou mais um filme peculiar à Competição deste ano.

Curioso sob vários pontos de vista, aliás, já que sua própria articulação básica (o filme é silencioso e em preto e branco) é uma emulação do cinema do passado e ao mesmo tempo bastante contemporâneo sob vários pontos de vista, criando propositalmente anacronismos diversos, a começar pelo óbvio: estamos diante de atores contemporâneos. Muito bem escalados, diga-se de passagem, desde o protagonista George Valentino (a estrela do silencioso que entrará em decadência na chegada dos talkies), feito um Jean Dujardin à la Rudolph Valentino, até a argentina Bérénice Bejo, que interpreta Peppy, aquela que será a estrela da nova era sonora – e repleta de culpa que sente em relação à decadência de George, a quem deve, de alguma maneira, sua entrada no universo de Hollywood.

É engraçada, por exemplo, a abertura do filme, em que assistimos a uma cena de um filme silencioso na qual um personagem é torturado, mas de todas as maneiras se recusa a falar, e logo em seguida a câmera denuncia a metalinguagem: estamos diante de um público que assiste ao filme. É uma brincadeira que não deixa de ironizar a própria natureza de Hollywood, além de trazer consigo o movimento feito pelo filme em relação ao espectador. De certa maneira, essa autoconsciência é presente em todo o filme, que se traz referências várias de filmes do período cuja história se desenvolve, traz também influências, por exemplo, de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), filme de 1941, que aparece como referência visual de várias cenas, sobretudo na fotografia.  Além disso, é interessante como a escalação dos atores acaba por envolver certas intenções irônicas por si só: John Goodman, por exemplo, faz o papel do dono do estúdio, o mogul hollywoodiano – trazendo consigo os restos de seu papel fantasmagórico em Barton Fink – Delírios de Hollywood (Barton Fink, 1991).

No entanto, algo incomoda no que diz respeito à limpidez estéril da imagem – sempre incorruptível, sempre “bonita” demais e sempre disposta a amenizar qualquer ranhura: diante de algo tão higienizado fica difícil um maior envolvimento no universo hibrido que o filme cria com tanto cuidado. Quase não há ambiguidades, a conciliação é dada de saída, nada pode perturbar a harmonia – eis onde The Artist é tristemente contemporâneo: em sua aproximação com a imagem publicitária. Até mesmo o bonito desfecho, que romaticamente “resolve” a questão central do filme perde um pouco da força, embora seja inegavelmente tocante vermos que, entre falar ou não falar, o casal encontra no dançar o seu caminho – trazendo ainda o musical para o agradável – ainda que limpinho demais – baile para qual o The Artist nos convida.

Visto no Festival de Cannes 2011.

Comentários (3)

Alexandre Marcello de Figueiredo | quarta-feira, 30 de Janeiro de 2013 - 19:27

Esperava bem menos do filme e fiquei surpreendido. Gostei da história, ótima trilha sonora, belíssima fotografia, não à toa ganhou 5 Oscar.

Marlon Tolksdorf | terça-feira, 27 de Janeiro de 2015 - 09:10

Os prêmios foram merecidíssimos.

Marlon Tolksdorf | terça-feira, 27 de Janeiro de 2015 - 16:55

Fácil assim, qualquer filme que queira ganhar 5 oscars só precisa fazer um marketinzinho.

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