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Críticas

Cineplayers

Entre conquistar novos admiradores e agradar os antigos, Eu Quero Acreditar é um tiro no escuro.

8,0

Vivemos na fronteira entre fé e razão. Acreditamos no que nossos olhos podem enxergar, enquanto sabemos que eles não podem nos mostrar tudo. A dimensão do eterno conflito entre mito, ciência e religião é equivalente  à influência exercida em nós pela grande fábrica de ilusões que é a mídia. Nutrida por ideologias políticas e mercadológicas, a indústria cultural cria mundos que ocultam outros e, assim, ignoramos muito quando pensamos saber o bastante. É essencialmente do vácuo deixado por aquilo que não vemos que Chris Carter, jornalista, roteirista, diretor e produtor, idealizou aquela que seria uma das séries televisivas mais cultuadas de todos os tempos, Arquivo X. 

Produzido por nove anos, de 1993 a 2002,  ganhador de três Globos de Ouro (filme, ator e atriz) e 16 Emmys (o Oscar da televisão), o seriado conquistou uma legião de seguidores comparável a de Star Trek e Star Wars e que têm com os personagens principais, Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) algo em comum: a curiosidade por verdades que estão lá fora, em algum lugar, que só podem ser vislumbradas por aqueles que se dispõe a ir muito além dos padrões estabelecidos por nossa cultura convencional. Em Arquivo X o improvável, o inaceitável, é tudo o que se pode esperar.  O ressurgimento do seriado, agora em nova segunda versão cinematográfica, há muito era aguardado pelos fãs e chega envolvido em um sentimento de nostalgia inevitável.

Pela televisão, posteriormente também pela literatura e cinema, Chris Carter criou uma tradição e uma mitologia para Arquivo X com base em incógnitas deixadas no ar, no medo pelo não explicado, nas teorias conspiratórias, no sobrenatural, nas especulações científica. A lenda eXcer começa quando Samantha Mulder desaparece misteriosamente do quarto de dormir, deixando no irmão, Fox, um sentimento de culpa, de impotência e um impulso pela busca por respostas que se tornariam a marca registrada de sua personalidade. 

Fox passa a acreditar que a irmã foi abduzida por extraterrestres, enquanto ele nada fez para impedir. Sua crença não deixa de ter fundamentos e será testada periodicamente. Sua ânsia por reencontrar a irmã  desperta nele a vocação para investigar mistérios através de interpretações nada convencionais. Mulder forma-se em Psicologia pela Universidade de Oxford, ingressa na academia do FBI e acaba por ser designado à Unidade de Crimes Violentos (UCV), onde deveria traçar perfis de criminosos. Quando encontra o arquivo de casos não solucionados, o Arquivo X, passa a dedicar-se a eles. 

Baseado em suas crenças pessoais, Mulder busca pela verdade e passa a ser visto como “o estranho” por seus companheiros de trabalho. Em seu pequeno escritório, nos porões do FBI aparece o grande poster com um OVNI e a antológica frase agora revisitada “I want to believe”, eu quero acreditar. Dana Scully surge como a cientista cética, formada em medicina e física, que deveria encontrar provas que invalidassem e desacreditassem o trabalho de Mulder. O que os superiores do FBI não suspeitaram é que apesar de todo o ferrenho racionalismo de Scully, sua fé na ciência e em um mundo ordenado, seria ela a ser transformada pela convivência com Mulder. 

Ao longo dos anos os personagens se viram às voltas com casos que envolvem alienígenas e abduções, complôs governamentais, paranormalidade, seres bizarros, e muito, muito mistério, tensão e suspense. O conflito entre as crenças de Mulder no sobrenatural e a radical opção de Scully pelas explicações científicas, cede à sincera vontade compartilhada de chegar à verdade, de compreender o que oculta explicações. Diferenças de tendência de pensamento, neste caso geram o respeito mútuo, a confiança, a lealdade e a manutenção do profundo vínculo entre ambos. A relação dos dois personagens fala de um amor platônico e incondicional que se revela de forma implícita, mas que só pode ser mantido por amizades inabaláveis. 

Data de 1998 a primeira incursão do seriado ao formato cinematográfico. Naquele ano surgiu Arquivo X – O Filme. Nele Mulder e Scully lutam contra conspirações governamentais e se deparam com planos de colonização da Terra por alienígenas. Exatos dez anos se passaram e agora, seis anos após o desaparecimento do seriado, surge Arquivo X – Eu Quero Acreditar (sim, o cartaz). Desta vez a história se desenvolve a partir do desaparecimento de uma agente do FBI, ocasião em que Mulder e Scully, há anos afastados do bureau, são procurados para ajudar nas investigações. No caso estão envolvidos os agentes Dakota Whitney (Amanda Peet) e Mosley Drummy (o rapper Xzibit), além de um padre paranormal (Billy Connolly) que tem visões e guia os investigadores ao local de onde a agente teria desaparecido. Enquanto Whitney se coloca a colaborar com Mulder, Dummy faz a vez do cético. Para ele é preciso ver para crer. Já o padre Joseph Crissman (Billy Connolly) é um personagem polêmico, está envolvido em casos de pedofilia e apresenta personalidade complexa. 

Enquanto Arquivo X – O Filme une vários elos deixados em aberto pelos primeiros anos do seriado, Eu Quero Acreditar não foge à regra e traz várias referências a ele. Porém, Chris Carter, que voltou a assumir a direção e escreveu o roteiro junto a Frank Spotnitz, optou por não fazer um filme apenas para antigos fãs e sim uma obra que possa interessar a um público mais amplo. Para isso procurou deixar a história mais aberta, de forma a fazer sentido para quem não conheceu o seriado, mas acabou por deixar escapar um pouco da aura característica. Tentou agradar a gregos e troianos e assumiu o risco de desagradas a ambos. Foram incorporadas algumas das características mais marcantes, como as cenas no gelo, as cenas noturnas, a relação de conflito e de lealdade entre os personagens, o medo causado por aquilo que é sugerido e não mostrado, a iluminação em tons azulados, a música tema. Esta uma preciosidade que quando surge pode levar lágrimas aos olhos dos fãs mais saudosos. 

Mulder e Scully surgem mais velhos. Ela mais doce, embora prática e objetiva, ele ainda torturado por suas buscas, mas magoado e reticente. Tudo sinaliza que o tempo passou também para os personagens. A lacuna de seis anos entre o término do seriado e a retomada é útil à imaginação de Carter e Spotniz que amadureceram a relação dos personagens sem deixar de lado as sutilezas. Scully ainda é o ponto de equilíbrio de Mulder e ele ainda é o ponto de renovação dela. A profundidade do vínculo ainda se revela por olhares e pequenos gestos de cumplicidade.

O novo filme traz o senso crítico e o humor sarcástico dos comentários de Mulder sobre o governo americano, mas também perde a oportunidade de  aprofundar-se nas discussões sobre as experiências genéticas, sobre a paranormalidade e ainda por não apresentar soluções ousadas para questões antigas. Tudo isso deixa uma certa sensação de frustração ao se considerar todo o histórico de Arquivo X. 

Em síntese, Eu Quero Acreditar, é eficiente em si mesmo, mas também poderia ser melhor. O ótimo é que sua realização vem de encontro às esperanças de Duchovny, que trabalhou muito para que o projeto fosse viabilizado, e da legião de eXcers pela retomada da franquia, pois Arquivo X sempre traz chances para que sejam levantados questionamentos os mais diversos, o que pode ser feito das mais diversas formas.  Em meio à fantasia, a criatividade pode servir para ampliar horizontes.

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