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Críticas

Cineplayers

Situações inverossímeis e personagens irritantes em um filme que não consegue usar a limitação de espaço ao seu favor.

4,0

Contar histórias situadas em um único espaço sempre foi um desafio que atraiu cineastas dos mais diferentes estilos. Alfred Hitchcock, por exemplo, realizou diversos trabalhos que tinham como base ambientes limitados, como Um Barco e Nove Destinos (Lifeboat, 1944), Festim Diabólico (Rope, 1948) e Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), enquanto Sidney Lumet estreou no cinema com aquele que talvez seja o maior clássico de cenário único, 12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men, 1957). John Hughes e Joel Schumacher também exploraram o recurso, com O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985), um dos mais seminais filmes sobre a adolescência, e o interessante Por um Fio (Phone Booth, 2002), respectivamente. No entanto, uma das melhores obras a explorar a limitação de espaço foi o recente Enterrado Vivo (Buried, 2010), no qual o cineasta Rodrigo Cortés e o roteirista Chris Sparling conseguiram sustentar a difícil história por noventa minutos sem grandes deslizes, em um filme que construía sua tensão de forma cuidadosa até o final de deixar o espectador sem fôlego.

É uma pena, no entanto, que o trabalho seguinte de Sparling seja este fraco A Armadilha (ATM, 2012), projeto que demonstra como a maior parte do sucesso de Enterrado Vivo se deve ao seu diretor, não ao roteirista. E, dessa vez, a premissa não oferece tantas dificuldades como no filme estrelado por Ryan Reynolds. Se lá a narrativa se passava dentro de um caixão e com um único personagem, aqui o ambiente é trocado por um caixa eletrônico com três pessoas, o que teoricamente deveria facilitar a dinâmica do filme e oferecer muito mais possibilidades de explorar o cenário. Infelizmente, Chris Sparling parece ter usado todas as boas ideias em Enterrado Vivo, já que A Armadilha é inverossímil desde o seu princípio, jamais desenvolvendo os personagens de forma satisfatória e criando uma situação ridícula após a outra – muitas delas fazendo o espectador pensar que se trata de uma comédia ao invés de um suspense.

Manter interessante uma história com número reduzido de personagens e situada em um único lugar é sempre um desafio técnico e criativo, mas pouco se pode fazer quando o filme não acerta nem mesmo em suas cenas iniciais, ainda longe dessa limitação de espaço. É o caso de A Armadilha. Desde os primeiros minutos, na empresa onde os protagonistas trabalham, percebe-se que se trata de uma produção pouco inspirada: não apenas os atores principais se mostram desprovidos de qualquer talento como também o espectador já começa a despertar certa antipatia pelos protagonistas. Afinal, um rapaz agindo como um adolescente tímido e inseguro diante de uma garota (e ela fazendo o mesmo em retorno) pode até funcionar em filmes de high school, mas é apenas patético quando isso é feito por adultos profissionalmente bem-sucedidos – sem contar que prejudica a identificação da plateia com aquelas pessoas, que se tornam simplesmente dignas de pena.
 
E este é o grande problema de A Armadilha: os personagens, suas reações e a maioria das situações criadas simplesmente não convencem. O roteiro de Chris Sparling é uma sequência de cenas que não fazem o menor sentido, desde o fato de David estacionar seu carro a vários metros de distância do caixa, passando pela tentativa de inundar o local e chegando até a pergunta que permanece martelando na cabeça do espectador durante toda a projeção: por que diabos eles não fugiram? Três adultos contra um homem desarmado e nem cogitaram a hipótese de revidar ou mesmo sair correndo? Ah, é verdade, um deles decidiu correr, simplesmente para dar de cara em um fio preso pelo assassino exatamente na direção em que ele foi. E o que dizer da cena em os três já estão fora da cabine, mas, por alguma razão inexplicável, preferem voltar para o local ao invés de buscar alguma ajuda? A Armadilha nada mais é do que um amontoado de clichês e momentos – para ser elegante – inverossímeis.

Mas o roteiro de Sparling ainda consegue surpreender com instantes de puro constrangimento. A tentativa de criar um certo atrito entre os personagens é até válida, mas a realização canhestra e superficial jamais leva a lugar algum. O mesmo vale para a cena em que Emily dá um discurso tentando encontrar algum significado em tudo aquilo, dizendo que “a vida me trouxe até aqui”: é tão fora de contexto, mal escrita e interpretada que mais parece vinda de uma paródia do que de um filme supostamente sério. Há ainda um momento no qual a mesma Emily parece desnorteada (por frio, por medo, por fome, seja lá pelo que for, pois nunca fica claro), mas de forma milagrosa, a desorientação da moça parece durar apenas alguns segundos, uma vez que ela se cura rapidamente e isso jamais volta a ser mencionado pelo roteiro.

Como se não bastasse os problemas de texto, o trabalho de direção de David Brooks é apenas correto, jamais conseguindo superar a falta de coerência ou de criatividade do argumento. Sem qualquer plano ou quadro que colabore para construir a tensão (ou ao menos esteticamente diferenciado), Brooks ainda realiza escolhas equivocadas, como a cena em que insere sons de batidas de coração, de forma a ressaltar o nervosismo dos personagens, mas o faz com tamanha falta de sutileza que mais parece um ruído totalmente fora do contexto daquele momento.

Prejudicado também por um elenco sem a menor química ou carisma e por uma reviravolta final que exige muito da boa vontade do espectador, a Armadilha ao menos acerta em não trazer explicações sobre os motivos de tudo aquilo estar acontecendo (na verdade, até dá vontade de ver qual seria a hilária justificativa criada pelo roteirista). É um filme sem qualquer valor, que certamente não vai gerar medo no espectador que precisar tirar dinheiro após a sessão. Saudades de Hitchcock.

Comentários (4)

Bruno Kühl | segunda-feira, 23 de Julho de 2012 - 20:55

Não acho que a qualidade entre esse e Enterrado Vivo seja apenas dependente do diretor. O roteiro do filme anterior de Sparling é excelente, e recheado de críticas principalmente políticas. É obvio que, aqui, a direção é praticamente nula, e Sparling apresenta um retrocesso. Não concordo com várias coisas no quarto parágrafo. E, ao contrário do texto, achei o começo bem promissor, tanto naquele mistério de um assassino real e seus planos, tanto no romance dos dois, ué, são jovens ainda, é verossímil sim. Não senti antipatia tão direta assim com os personagens, sinceramente. E o final é bom, uma reviravolta que nunca tinha pensado, e o roteiro acertou mesmo em não revelar o assassino... A comparação com Hitchcock é desnecessária. No resto, ótima crítica.

Eu achei o filme divertido, até meio tenso, principalmente pela fotografia fria, pela atmosfera sufocante e a razoável exploração entre dentro e fora, mas o roteiro é tosco, cheio de falhas, e a direção não ajuda muito. Uma pena.

Bruno Kühl | segunda-feira, 23 de Julho de 2012 - 22:25

O que adianta estar em maior número se eles não sabem as armadilhas que têm lá fora e quais são as armas do assassino? E se ele tivesse um revólver? Eles ficaram lá dentro porque viram que lá o assassino não ia os atacar... As atuações estão OK pra esse tipo de filme. Bem, o final é subjetivo então, eu achei bem sacado.
Essa cena do cara entrando na cabine foi ridúcula, uma das cenas-chave que estragam o filme, além da falta de criatividade que você também comentou.

E o que eu não concordei no 4º parágrafo foi:
- "passando pela tentativa de inundar o local"
- "por que diabos eles não fugiram?" Já expliquei.
- "E o que dizer da cena em os três já estão fora da cabine, mas, por alguma razão inexplicável, preferem voltar para o local ao invés de buscar alguma ajuda?" Que cena é essa???

Não que seja um filme muito digno de se defender, mas o pessoal tá procurando defeito onde não tem.

Wellington Pinheiro Silva | sábado, 13 de Julho de 2013 - 15:35

Fazendo um trocadilho infeliz: Esse filme é realmente uma armadilha.😏
Eu também não entendi o porquê de eles voltarem pra cabine depois de estarem os três fora e bem perto do carro... Caso você esteja se perguntando que parte é essa, é aquela em que eles percebem que o colega deles ainda está vivo mesmo depois de ter sido furado com uma chave de fenda. É pedir demais do espectador que engula essa...
O filme é ruim, ponto.😎

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