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Críticas

Cineplayers

Ainda que sem foco em sua narrativa, filme é interessante pela galeria de personagens curiosos e pela direção de Sorrentino.

6,0

Há uma fala repetida pelo protagonista Cheyenne em diversos momentos de Aqui é o Meu Lugar (This Must Be The Place, 2011): “Existe algo errado aqui. Não sei exatamente o que é, mas algo”. De certa forma, é exatamente este o sentimento do espectador enquanto assiste ao novo trabalho do cineasta italiano Paolo Sorrentino: o de que, mesmo sendo uma produção sempre interessante e original, algo impede a obra de decolar e se tornar uma experiência realmente satisfatória. Este motivo, no entanto, pouco a pouco vai ficando mais claro: Aqui é o Meu Lugar é um filme caótico em termos narrativos, uma salada de gêneros e elementos que jamais encontra o seu foco.

Um breve resumo da trama já mostra exatamente isso: é a história de um ex-astro do rock depressivo que viaja aos Estados Unidos após a morte do seu pai. Lá, descobre que ele foi prisioneiro de um campo de concentração e decide seguir a busca do pai pelo nazista que o torturou, o que o leva a uma viagem pelo interior dos Estados Unidos. Ou seja, apenas aí já é possível perceber elementos de um drama existencial, de uma trama de vingança e de um típico road movie – e qualquer cineasta teria dificuldades para achar um tom harmonioso entre propostas tão díspares. Como se não bastasse, Sorrentino ainda traz para seu filme uma abordagem sempre excêntrica, quase beirando o surreal, mais um obstáculo à jornada emocional do protagonista, ainda que funcione pela curiosidade e diversão.

O roteiro de Aqui é o Meu Lugar, escrito pelo próprio Sorrentino, parece muito mais à vontade na construção de cenas e diálogos para momentos específicos do que no desenvolvimento de uma narrativa coerente e bem estruturada, com um arco dramático. Boa parte do que se vê na tela soa gratuito: a dúvida existencial de Cheyenne não é justificada e a relação entre o protagonista e a família do garoto desaparecido permanece uma incógnita (ainda que pareça desempenhar um papel importante no filme), por exemplo. Sim, o tema básico de Aqui é o Meu Lugar é a busca de Cheyenne por um lar, não exatamente no sentido físico da palavra, mas em termos de um local onde ele encontre o seu propósito de vida – como fica claro nas músicas escolhidas para a trilha sonora e no próprio título da obra –, porém, essa procura não possui um ponto de partida, um motivo. Para o espectador, que permanece sempre distante emocionalmente da história, tudo acontece quase de forma aleatória.

De forma surpreendente, uma das razões para esse distanciamento é a interpretação de Sean Penn. O talento do ator quase sempre é uma atração à parte, porém, dessa vez, Penn tem dificuldades em fugir da caricatura do astro de rock decadente. Sua composição, desde a voz calma e baixa até os tiques como assoprar constantemente o cabelo, jamais parece encontrar a essência do personagem, permanecendo uma mera atração visual – assim como a pesada maquiagem. Dessa forma, Cheyenne caminha pela tela como uma figura curiosa, sim, mas por sua aparência, ao invés de envolver o espectador por sua complexidade ou seus conflitos não resolvidos. É um dos raros momentos na carreira de Sean Penn em que ele não consegue entregar um trabalho acima da média.

Assim, uma vez que a jornada emocional de Cheyenne não encontra ressonância junto ao público, resta a Aqui é o Meu Lugar oferecer uma experiência marcada pelo peculiar, com momentos ocasionais de originalidade, mas que não fazem muito sentido na estrutura completa do filme. Há uma cena, por exemplo, quando o protagonista se dirige ao seu carro, no qual Sorrentino mostra uma mulher parada dentro de um carro e uma jovem gótica passeando. A garota vê o ex-astro e corre para perguntar se realmente é ele. Ao ouvir a resposta negativa de Cheyenne, ela se afasta, enquanto o cineasta destaca um homem com um em pé sobre um trator que passa perto deles. O que Sorrentino pretendia com essa cena? A abordagem da jovem ao personagem pode ser justificada, mas qual era o objetivo ao mostrar a mulher no carro ou o homem no trator?

Essa é, na realidade, uma pergunta que pode ser feita em diversos instantes do filme. Seja a cena do patinador caindo, o momento em que uma “cerveja gigante” para uma estrada, o encontro com o homem fantasiado de Batman ou a carona dada ao velho índio, todas elas funcionam como meras curiosidades inseridas de forma nada orgânica na trama e sem propósito narrativo; afinal, que diferença elas fariam para a “busca” do protagonista? Tais instantes não deixam de ser divertidos, mas unicamente em prol da curiosidade, em alguns poucos segundos de filme que prendem a atenção, uma vez que pouco sentido fazem no quadro geral de Aqui é o Meu Lugar.

O mesmo vale, aliás, para diversas falas do roteiro, que ocasionalmente demonstra suas centelhas de inspiração, ainda que tenha problemas na construção do quadro geral. Aqui é o Meu Lugar traz diálogos bonitos, como “Há muitas formas de morrer. A pior delas é continuar a viver” e “O problema é quando deixamos de dizer ‘minha vida vai ser assim’ para dizer ‘isso é a vida’”, que não deixam de apresentar reflexões interessantes. Outras, no entanto, parecem apenas inseridas de forma gratuita, derrapando na pieguice, como a conversa entre Cheyenne e um homem no bar, no qual o segundo diz: “Gratidão é uma coisa linda”. É uma pena que Sorrentino pareça mais interessado nestes instantes de efeito do que em sua narrativa.

Assim como o roteiro parece mais interessado nestes momentos isolados, o cineasta também se sai melhor na forma de conduzir cada cena do que no desenvolvimento coeso do filme como um todo. Seus planos e movimentos de câmera (com constante utilização de grua) são sempre elegantes, com cada elemento passando a impressão de ser bem pensado. Além disso, o cineasta constrói significado nas cenas com este olhar diferenciado, como no instante em que uma mulher pergunta para Cheyenne “Como vai a sua vida?”, enquanto a câmera passa pelos personagens e aponta para baixo. Há, ainda, outro instante tecnicamente belíssimo, na sequência passada em um show, com uma impressionante exibição cênica da banda e, logo em seguida, a viagem da câmera para encontrar o protagonista em meio à multidão.
 
Remetendo ainda ao cinema de absurdo dos irmãos Coen, Aqui é o Meu Lugar é um filme que prefere não entregar tudo mastigado ao espectador. No entanto, Sorrentino não apresenta o suficiente para que seja possível preencher as lacunas, em uma obra que parece incompleta. Não deixa de proporcionar uma viagem interessante, mas, infelizmente, ela não chega a lugar algum.

Comentários (6)

Alexandre Carlos Aguiar | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012 - 13:21

É o tipo do filme que daqui há dez anos será considerado cult.😋

Raquel de Souza Cardoso | sábado, 15 de Setembro de 2012 - 15:45

O filme tem pontos interessantes. Entre eles o sempre competente Sean Penn e a ótima trilha sonora!

Camila Gomes | segunda-feira, 15 de Outubro de 2012 - 09:00

Alguns dialogos despretensiosos que acabam sendo cômicos...
Um Sean Penn "confuso" e depressivo, que não me convenceu mto. (Algumas cenas, deu até sono em olhar pra cara de Cheyenne. Rs.)

E concordo com Silvio, fiquei frustada por não encontrar um desfecho pra historia do garoto desaparecido. Eles frisaram tanto essa cena, q eu esperei um desfecho. Ou no minimo uma explicação...

🙄

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