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Apneia

(Apneia, 2019)
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Críticas

Cineplayers

A água como testemunha

9,0

A primeira imagem: um bebê fecundo, de traços delicados associados a fofura, está prestes a nascer. Ao escolher não ler absolutamente nada sobre os filmes (principalmente curta metragens) previamente a experiência de assisti-los, eventualmente me deparo com experiências como a de Apneia (idem, 2019), que poderia ser descrita como uma montanha russa de olhos vendados. Quando será a próxima curva?, me pergunto constantemente diante do filme de Carol e Walkir. A resposta: sempre. De delicada sinuosidade, não há fórmula fácil empregada no filme. Nem no que diz respeito às técnicas de animação empregadas - que parte da supracitada fofura da imagem inicial para chegar a um lugar de estranheza imagética muito bem-vinda - muito menos de sua temática, um intrincado e literal jogo da memória, (in)felizmente bem menos inocente do que a nomeação poderia supor.

Estamos diante das memórias de alguém, uma criança-jovem-mulher sutilmente devassada pelo reencontro com a raiz de traumas que dificilmente serão esquecidos. Trata-se também de um 'projeto-expurgo', onde observamos uma lavagem diante das reminiscências de um mal que é respondido por inúmeras ramificações, prévias e posteriores. Onde estávamos quando deveríamos estar atentos? Qual a chave para não submergir à dor? Como lidar com os demônios reais que a consciência insiste em recordar?

Aos poucos, como supracitado, a belíssima animação trafega da inocência de traços e cores suaves e reconfortantes até um lugar cada vez menos acolhedor e com um clima opressor. Indo de um delírio de sonho surreal até um pesadelo muito próximo de uma triste realidade, Apneia proporciona uma galeria de sentimentos durante sua projeção, divertindo, emocionando, e até horrorizando, mas que não deixa de provocar e promover um debate muito sério a respeito da infância roubada e de como observá-la, tanto no ato da mesma como em anos depois. 

De tratamento sonoro impecável, tanto na faixa de áudio quanto em sua trilha específica, Apneia nos fornece sensorialidade por todos os acessos, seja ele áudio ou visual, uma descarga poética diante de um mal dolorido e definitivo. Ensina também de maneira zero didática a trabalhar com elipses em um tempo onde narrativas são excessivamente explicativas; Carol e Walkir sugerem, de forma lúdica, as possibilidades de entendimento e acesso à sua própria obra, nunca condenando seu material a um único lugar. A maturidade, muitas vezes, parte do emocional para chegar ao racional, e Apneia é material cinematográfico complexo e amplo, porém de extrema maturidade.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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