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Críticas

Cineplayers

Quantas vezes você encontra a pessoa certa?

8,0

Em 2005, em um concerto da banda The Frames, "Apenas Uma Vez" começou a ser pensado. Cineasta formado em música, John Carney sempre pensou em um filme que, apesar de não ser um musical tradicional, empregasse canções para contar uma história de amor. Carney queria achar um cenário e um cordão de história simples que pudessem utilizar canções de forma que os espectadores atuais aceitassem bem essa proposta. Dessa forma, ele pediu a Glen Hansard (vocalista da banda The Frames) para escrever algumas canções. Após meses trocando idéias, Carney e Hansard criaram dez canções originais e um roteiro com mais de 50 páginas. O resultado disso tudo acabou como Carney queria: um filme original, com uma história de amor realista e moderna.

Gravado em Dublin em cerca de duas semanas, o filme traz uma trama de amor simplória, "essencialmente um diálogo" - como o próprio Carney definiu. Hansard vive um talentoso músico que ganha a vida com seu violão nas ruas de Dublin e ajuda o pai em uma loja de aspiradores de pó. Markéta Irglová (outra cantora profissional a entrar no projeto) interpreta uma tcheca que anda pelas mesmas ruas, vendendo rosas para sustentar sua família e tem como hobby tocar piano. O acaso (muito bem aproveitado aqui) fez com eles se encontrassem, e a paixão pela música fará com que vivam uma experiência intensa e inesquecível.

O principal elemento que chama a atenção é sem dúvida o estilo musical da obra. Diferentemente dos musicais mais recentes vindos de Hollywood, sendo um dos mais novos "Dreamgirls - Em Busca de um Sonho", nos quais predominam músicas aborrecidas e espalhafatosas em personagens um tanto caricatos, as melodias aqui são bem mais intimistas, verdadeiras, passando sentimentos e contando uma história bacana em figuras reais e carismáticas. Assim, além de fazer parte do filme como principal elo entre os protagonistas (principalmente no que concerne à amizade crível que aos poucos vai desenvolvendo-se e conquistando o espectador), as letras, com sua devida carga poética, funcionam quase como um ser vivo. Por ser a ação propriamente dita, as canções ditam como aquele singelo romance envolve as personagens e, conseqüentemente, o público. Não por acaso, o filme levou o Oscar de Melhor Canção Original deste ano pela linda "Falling Slowly", que marca na trama a união definitiva do casal: ele, com seu violão delirante; ela, dedilhando um lírico piano. Vale um destaque especial também para as belas músicas "Lies" e "If You Want Me".

No entanto, é um grande engano - embora o trailer e, de certa forma, o marketing em torno do filme indiquem - pensar que "Apenas Uma Vez" é uma comédia romântica com pretensões de conquistar a simpatia utilizando exclusivamente músicas adequadas em passagens clichês. Na verdade, o romance presente em nada aparenta àqueles manipuladores que costumeiramente são exibidos nas salas de cinema. Aqui, o relacionamento do casal é erguido sobre pilares sólidos de doçura, sem pressa em seu desenrolar, mostrando que Carney tem consciência dos limites de sua idéia, pois não há necessidade de um enredo com histórias complexas e em demasia. E o bom é que isso não a torna menos interessante ou pouco meditativa. Ao contrário, o longa parece ter sido concebido para ser sentido. Reparem, por exemplo, na delicada cena (em um perfeito trabalho de Carney) em que o casal avista o mar do alto de uma colina. Por vezes, o filme lembra a leveza do admirável "Antes do Amanhecer", de Richard Linklater - uma das principais referências no mercado contemporâneo.

Sabendo equilibrar o material dramático da história (renúncias, sonhos e satisfações das personagens estão à vontade), o cineasta, ajudado por uma montagem ágil nos momentos certos, conduz os rápidos 85 minutos de projeção (outro acerto) de maneira natural e bem-humorada, sem excessos. Ao mesmo tempo em que são estabelecidas tomadas com esse intuito (as cenas envolvendo a moto sintetizam apropriadamente isso), Carney também estabelece, entre tantos outros, um contraponto interessantíssimo, que é exatamente quando os dois decidem transformar os momentos juntos em algo palpável, eterno, metaforizado na gravação de um CD. Aí, a grande sacada é evidenciar o casal conseguindo completar-se nesses passageiros instantes. Pouco importa o sucesso comercial do CD gravado; o importante é aproveitar ao máximo os prazerosos e transitórios dias de convívio.

Além do mais, John Carney escapa de artificialismos nos flashback, favoravelmente enxertados para formar um painel convincente das várias emoções sentidas pela dupla protagonista no passado e que continuam vivas no presente. Cada um à sua forma, com suas peculiaridades e limitações, criando um todo musical bastante singular. Diga-se de passagem, o casal (Hansard e Irglová) contribui para o resultado positivo do filme, lógico. Cantores profissionais, ambos interagem com uma notável naturalidade, agradando, pois, não apenas nas cenas musicais, mas principalmente nos (poucos) diálogos, sempre singelos e coerentes. Infelizmente, ambos não devem voltar a atuar, já que são músicos e planejam continuar sendo - vide o álbum The Swell Season, que resultou justamente da parceria entre os dois.

A fotografia, que para alguns não teve a preocupação devida por parte do diretor, na verdade mostra uma Dublin fria e habitada por seres solitários, apresentando um desfecho iluminado e, assim, esperançoso. Embora esquemático em certas partes, "Apenas Uma Vez" é uma maravilhosa pedida para quem procura uma história simples, bem contada, moderna e comovente em seu íntimo. Além disso, vale muito ouvir as inúmeras canções que participam ativamente da trama. Sucesso no circuito independente, o filme ainda foi destaque na insípida noite de premiação do Oscar deste ano: Hansard e Irglová proclamaram um discurso espontâneo sobre batalhar pelos nossos sonhos e, principalmente, sobre a importância de se produzir arte.

Comentários (2)

Camila Gomes | segunda-feira, 10 de Setembro de 2012 - 10:57

Excelente critica!
Resolvi assistir "Once" através de sua critica e ratifico que o filme supera expectativas.
No Inicio, ainda "deduzi" ser mais uma comédia romântica clichê. Mas o filme é mega sensitivo. Cenas, dialogos, trilha sonora, parece que foram escolhidos para que "tocasse" através das telas. (Ou eu estava num momento "mulherzinha" e achei que essa foi a ideia! Rs)
Que trilha sonora incrivel.
😉

Araquem da Rocha | quarta-feira, 17 de Dezembro de 2014 - 13:25

Esse mostra,que.Com pouco recurso,pode se fazer,um filme: Bom, sensivel e de qualidade!

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