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Críticas

Cineplayers

A verdade de cada um.

8,0
Não vou demorar a entrar na polêmica - sim, Aos Teus Olhos, o novo longa de Carolina Jabor que compete na Premiere Brasil do Festival do Rio, tem uma premissa que o aproxima de A Caça, consagrado drama de Tomás Vinterberg de 5 anos atrás. Vencida essa etapa, vamos esquecer Mads Mikkelsen, porque o leque que Carolina abre é mais amplo, independente de ser superior ou inferior. Baseado na peça catalã O Princípio de Arquimedes, a produção acerta no cenário para falar de verdades relativas: a piscina de um clube, palco de um curso natação infanto-juvenil e também do imbróglio onde Rubens (Daniel de Oliveira) viverá seu calvário de 24h. Ou provavelmente as primeiras 24h dele. As águas turvas e inconstantes, que não podemos agarrar ou precisar, serão focadas repetidas vezes em alusão à liquidez e subjetividade das afirmações, tendo sido elas testemunhadas ou não. 

Rubens é o professor de natação do tal clube, e vira alvo de uma dúvida: teria ele ido além no trato com um dos meninos? Qual o limite entre o carinho consentido e o abuso de vulnerável? Como se constrói a verdade de uma narrativa? O filme de Carolina Jabor debate muito mais do que um tema urgente, mas dois: a complexidade das relações humanas e da diferença de observação de cada um é o principal deles no entanto. Que fique claro que a pedofilia não é um tema menor ou deva ser tratado de forma leviana, ela apenas não é o foco de debate da narrativa cinematográfica, embora seja sim debatida moralmente na produção... como não seria? Mas o compromisso do cinema vai além da moral, embora repito, o debate está lá. O complexo painel de relações humanas em diferentes escalas de poder, a inter-relação familiar nos dias de hoje e a pluralidade de lados de uma mesma história, e no que isso concerne em desenvolvimento dramático sim é um ponto de discussão amplificado. 

O trabalho de roteiro de Lucas Paraizo (com a supervisão de George Moura) é impecável, tanto no que diz respeito à descrição da urgência dos nossos tempos quanto também da tensão criada por essa mesma urgência temporal. O trabalho conjunto de roteiro e montagem funciona tão bem, e aí vemos claramente um filme que poderia ser encarado como uma tentativa de dar vida a um mero textão de Facebook a cinema de qualidade. Essa plataforma também dá ascensão a Carolina, que se mostra preparada para voos casa vez mais altos nessa carreira em processo de desdobramento. 

Junte a isso um trabalho primoroso de direção de atores, que engloba absolutamente todos os envolvidos no longa. De Gustavo Falcão a Stella Rabelo, passando por mais um belo momento de Marco Ricca no ano e a sobriedade de Rodrigo de Jesus como um delegado mais real impossível. Ainda assim salta aos olhos o nível de entrega de Malu Galli e do protagonista Daniel de Oliveira. Enquanto a primeira parece fazer brotar em cada poro a sua dúvida é o seu desespero com a mesma, é nas costas de Daniel que reside tanto do filme. Um ator menos tarimbado talvez não tivesse sido tão corajoso e completo na gama de emoções onde seu Rubens é arremessado, de onde Daniel sai com seus inúmeros recursos a disposição. Ora culpado ora inocente, o ator nos coloca no bolso e faz com que Aos Teus Olhos seja uma experiência ainda mais incômoda, expondo os lados ambíguos de uma sociedade sedenta por certezas que nunca virão. Enquanto vidas seguem destruídas.

Visto no Festival do Rio 2017

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