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Críticas

Cineplayers

A previsibilidade do filme é sua força e sua fraqueza.

5,5

Diz o dito popular, vingança é um prato que se come frio. No caso de “Ao Lado da Pianista” (2006), de Denis Dercourt, podemos ir mais longe – vingança é uma iguaria a ser consumida gelada. Há de se pavimentar seu longo e trabalhoso caminho, degustar cada etapa dele, tirar proveito de todos os momentos. Afinal, quando uma vingança é conduzida dessa forma, ela se torna a obra-prima de seu autor.

Mélanie Prouvost, uma menina de dez anos, filha de açougueiros da periferia de Paris, tem como meta de vida tornar-se uma grande pianista. O piano, para ela, não é brincadeira. Por isso, quando Mélanie é reprovada no exame de admissão do Conservatório de Música, devido a uma distração provocada por um ato de vaidade da presidente do júri, revolta e indignação acabam por tomar o lugar do piano.

A narrativa, então, dá um salto de dez anos. Mélanie (Déborah François) transforma-se numa bela mulher, aparentemente tímida. À procura de um emprego de estagiária numa firma de advocacia, tomamos conhecimento de que o piano é, de fato, página virada. Por ora, apenas isso.

À medida que a moça conquista o emprego e a confiança dos colegas, surge a oportunidade de se oferecer para tomar conta do filho do patrão, uma espécie de babá de luxo. Mélanie é enviada para a mansão do chefe, perto de Paris, onde vivem a mulher e o filho. Sentada na estação de trem, como uma jovem bem comportada, ela aguarda os dois virem buscá-la. E eis que surge ninguém mais ninguém menos do que Ariane Fouchécourt (Catherine Frot), a famosa pianista responsável pela distração de Mélanie em seu exame de admissão. Pronto, sabemos que tudo aquilo foi premeditado, como se aquele momento de encontro – ou melhor, de reencontro – entre as duas condensasse, na narrativa, o que veio antes e o que virá depois: a vingança de Mélanie é questão de tempo, e foi detalhadamente arquitetada.

Sobre Pianistas

Em “A Professora de Piano” (2001), de Michael Haneke, Isabelle Hupert tem um de seus ápices de interpretação no cinema. Ela é Erika Kohut, uma famosa professora de piano com pulsões as mais perversas. Auto-destrutiva e sádica, Erika exerce seu poder sobre alunos e colegas. É curioso se pensarmos no senso comum das nossas fantasias de professoras de piano, sempre senhoras de idade mal-amadas a punir seus pupilos com uma régua ou varinha a cada erro ao piano. Fica-me a impressão de que o sadismo advém como forma de compensação de uma submissão anterior, espécie de outro lado da moeda do masoquismo ou do regramento exagerado. Se eu apanhei muito, bato na mesma medida. Se me disciplinei além do suportável, e não ganhei nada com isso, então alguém tem de pagar. Em situações como essa, percebemos como a arte, em suas exigências de perfeição e superioridade, pode ser muito cruel.

No caso de Mélanie, aí está o x da questão, na falta de recompensa ou sucesso por sua disciplina e sujeição, por sua dedicação espartana ao piano. O aborto desse caminho tido como certo, no qual toda a sua economia libidinal se baseava, acabou por gerar um desejo de vingança sem tamanho. Dito e feito.

Da Vingança

A partir do reencontro com Ariane (obviamente que ela não reconhece na moça aquela garotinha humilhada pela reprovação), a trajetória da narrativa é movida pelo olhar de Mélanie, a agente da vingança. O tempo todo é como se ela nos guiasse pelos meandros de seu plano. O olhar de Mélanie recai com força sobre tudo: sobre Laurent, o filho também estudante de piano, e, sobretudo, sobre Ariane, que o rebate com a fragilidade de uma presa que deseja ser seduzida.

Mélanie torna-se, então, o braço direito da famosa pianista, a moça a virar as páginas das partituras em futuros concertos. Uma coadjuvante transformada em protagonista, já que Ariane vai se tornando mais e mais dependente de sua assistente.

O grande problema de “Ao Lado da Pianista” é o exagero dado pelo diretor a esse “cinema do olhar”. É tanta ênfase no poder da mirada de Mélanie que há uma perda inevitável em sutileza e ambigüidade. O espectador não fica na dúvida se a jovem hesita ou não em realizar seu projeto de vingança. Isso são favas contadas. Como se Mélanie já tivesse sido destruída muito tempo antes, naqueles momentos seguintes ao fracasso no exame do conservatório, em que a vemos, ainda criança, guardando no armário da sala o pequeno busto de Beethoven que ficava em cima de seu piano. Seu final está ali. Pena que nós, espectadores, gostamos de ser surpreendidos.

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