Os cenários exíguos se contrastam com o figurino escuro dos personagens. O visual clean da primeira metade se choca violentamente com a sanguinolência da segunda. Há uma retratação distópica da sociedade, uma realidade tanto perturbada quanto perturbadora. A maquiagem substitui os efeitos especiais nas cenas mais violentas de mutilação e deformidades, e o gore se faz presente quase que em tempo integral. A trama segue a linha do horror misto em ficção científica, nas mutações e nos vírus altamente contagiosos. O protagonista consegue ser ainda mais estranho que o universo que o cerca, e precisa lutar não somente com as ameaças externas, mas principalmente com o que há de mais virulento e envenenado dentro de seu próprio corpo e alma. No final da equação, nunca foi tão óbvio deduzir que se trata de um autêntico filme de Cronenberg. Não seria errado afirmar isso, só é preciso deixar claro que estamos falando de Brandon, não de seu pai David.
Com seu trabalho de estreia, Antiviral (idem, 2012), um dos filmes mais comentados na última edição do Festival de Cannes, Brandon Cronenberg chegou rodeado de expectativas, obviamente por conta de seu parentesco próximo com o cultuado David Cronenberg. Se a intenção da maior parte dos diretores jovens, filhos de cineastas famosos, é dirigir algo totalmente oposto ao estilo que mitificou seus pais, para assim provar certa individualidade, Brandon optou pelo caminho inverso. Antiviral é um trabalho que, apesar de bastante particular, lembra o tempo todo o conjunto de características que deram forma ao cinema de seu pai.
O mais interessante na história de Antiviral é o seu lugar na linha do tempo. Ao contrário do que possa parecer, sua trama absurda de fãs lunáticos que pagam quantias absurdas para serem infectados por doenças que acometem seus ídolos se passa no presente. Não temos aqui uma visão de um futuro próximo, mas sim uma ficção científica toda fundamentada no presente, na realidade atual. Ao que tudo indica a trama parece se desenrolar entre 2011 e 2012 e, com isso, temos uma curiosa retratação da nossa realidade presente, num tom fatalista que somente os filmes sobre o futuro conseguem oferecer.
Syd March (Caleb Landry Jones) trabalha para a Lucas Labs, uma empresa que comercializa amostras de vírus contraídos por celebridades e as vende para fãs. O “vírus do momento” é uma espécie pouco conhecida que contaminou a celebridade mais badalada da vez, Hannag Geist (Sarah Gadon). Syd também trafica alguns vírus desta empresa e acaba contaminado com o disputado hospedeiro de Hannag. Depois que a moça vem a falecer e descobrem que se trata de uma doença letal, ele deve correr contra o tempo para descobrir a cura e desvendar o mistério por trás da morte de Hannag.
É um trabalho forte, pesado e que cutuca um tema bem pertinente na nossa realidade: o culto às celebridades e até onde as pessoas são capazes de chegar para suprir uma necessidade fútil e, no caso do filme, corrosiva e letal. Pode parecer absurdo alguém pagar rios de dinheiro para ser infectado por uma doença, mas apesar da atmosfera de demência de Antiviral, nada ali retratado está distante do que ocorre hoje, e talvez seja por isso que Brandon tenha decidido ambientar a trama aos nossos dias, apesar de seus ares de filme futurista. Seu pai, com o também apresentado no Festival de Cannes deste ano Cosmópolis (Cosmopolis, 2012), atingiu um resultado bem parecido em sua retratação de um futuro mais atual do que nunca.
Há também semelhanças com Videodrome (idem, 1983), A Mosca (The Fly, 1986) e eXistenZ (idem, 1999), em especial o primeiro, que também aborda a influência da mídia e das propagandas sobre as pessoas, a ponto de torná-las quase zumbis não pensantes. A violência plástica, o sangue, a atmosfera doentia e toda a insanidade que vão ganhando espaço conforme o filme se desenrola acabam por prender o espectador do começo ao fim, e assim como em A Mosca, a doença ganha uma projeção nojenta, uma representação da deterioração física e mesmo emocional do ser humano.
Apesar das inúmeras semelhanças com o cinema de seu pai, Brandon Cronenberg traz com Antiviral uma promessa de frescor em um cinema relevante tanto em suas análises e observações sobre a sociedade e o próprio ser humano moderno, como também ousado estética e narrativamente. Mais um para o pequeno time de profissionais no ramo do cinema americano atual que procuram oferecer algo de novo, interessante, e sem precisar apelar para extravagâncias vazias, tão comuns ultimamente. Talvez seja um caso de arte imitando vida, e seja Brandon Cronenberg um ser infectado pelo vírus que corre nas veias de seu pai, que ocasiona entre delírios e sanguinolência, a continuidade de um cinema de fato impactante como poucos.
Fiquei muito curioso.
História original em novo pessoa Cronenberg !
esse vai vingar!!😁
Filme genial. Esse mundo criado pelo Cronenberg filho é surtado.