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Críticas

Cineplayers

Que você esteja no paraíso meia hora antes que o diabo saiba que você está morto.

4,0

De coração aberto digo que nutri algumas esperanças a respeito de um bom filme vindo de Sidney Lumet quando dei de cara com o elenco e esse título (porque acredito que a função do título seja como a de um slogan: dizer algo bastante significativo sobre aquilo que está nomeando, no caso, o filme), que soa forte e me fez pensar na história de alguém que se envolve em algo maior do que poderia suportar e então precisa correr para enganar o próprio diabo. E nisso eu nem estava tão errada.

A ação já começa deixando uma série de questões a serem respondidas no decorrer do filme e é muito provável que alguns marmanjos sintam-se convencidos a vê-lo até o final se levarem em conta a primeira cena entre Philip Seymour Hoffman e Marisa Tomei. A narrativa se mostra audaciosa, já que antes dos primeiros 15 minutos de filme já nos é mostrado o ponto crucial, o assalto, e a partir daí vamos vendo a história ser contada de trás para frente até chegarmos novamente ao nó-assalto e seus desdobramentos.

Andy (Philip Seymour Hoffman) e Henry (Ethan Hawke) são irmãos e estão passando por problemas financeiros. Andy (ao que parece, pois não fica claro se há algo por detrás de sua atitude além disso) por querer dar uma vida muito além do que há em seus bolsos para a esposa Gina (Marisa Tomei) está resolvido a tomar uma atitude drástica. No decorrer da trama é possível pensar que Gina esteja, de maneira "muito feminina", empurrando Andy para esse tipo de atitude, vide o espanto dele com relação à pequena "concessão" da esposa na cena inicial do filme, em que ela sugere que eles juntem dinheiro suficiente para irem de mudança para o Rio de Janeiro. Inclusive, citam um filme chamado Feitiço do Rio (ou Blame It On Rio) e aqui farei um rápido parêntese para situá-los melhor sobre o motivo para tal referência: é 1984 e dois amigos norte-americanos vêm para o Rio com suas filhas e se hospedam numa mansão no bairro do Joá. Tocados pelo clima edênico do lugar, o personagem vivido por Michael Cane (sim, ele mesmo) se envolve com a filha adolescente do amigo – uma baixaria só, segundo li - e o título original (novamente o título) passa então a fazer sentido, já que uma relação dessas só pode ser culpa das energias emanadas pelo Rio, assim como a concessão de Gina associada à vontade de mudança para a cidade se faz entendida dentro dessa mesma energia.

Do outro lado da trama Henry vive problemas menos fúteis em sua má relação com o dinheiro, envolvido com pensões alimentícias atrasadas e altas mensalidades escolares. E é assim que, sendo também pressionado pela ex-mulher e de alguma forma sendo afetado também pelo que lhe diz sua amante, ele aceita a proposta de Andy para um roubo que este último julgava tranqüilo, apesar de todas as implicações éticas que ele apresente (vendo o filme vocês entenderão o que quero dizer com implicações éticas). No momento em que eles planejam o assalto o espectador já conhece suas conseqüências, e supor que as coisas para a dupla só vão piorar fica muito claro. O que resta então é esperar pelo rumo final da trama e pela maneira como o roteirista Kelly Masterson fará a ponte entre aquilo que já sabemos e aquilo que nos resta saber.

Vista de maneira geral a trama de Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto parece interessante, mas peca por uma montagem fraca, acreditando demais na força dos flashbacks como suporte a uma trama não-linear, que se não se mostra totalmente confusa, ao menos prejudica o seu ritmo. Aliás a trama, que a princípio parece simples, se desdobra em graves conseqüências ao falar de como o egoísmo corrompe a moral das pessoas.

As atuações também ficam aquém do esperado para o nível de tensão proposto e o que temos é um Ethan Hawke caricato nos momentos em que precisa demonstrar desespero, Marisa Tomei num papel sem grandes nuances em detrimento da importância que poderia ter, e Philip Seymour Hoffman mantendo uma atuação coerente, mas sem grandes brilhantismos. Destaco, no entanto, a boa atuação de Albert Finney como Charles Hanson, o pai da dupla de protagonistas.

Assim é, e quase não há motivos para entrarmos em comunhão com essa história, seja pela falta de carisma de seus personagens, seja por não saber sustentar o próprio ritmo. Arrisco dizer que o roteiro tenha sido contaminado pela incoerência de seus personagens principais, Andy e Henry, que ao tentarem reparar os próprios erros apenas acumulam outros ainda maiores. Dessa forma é que a ação caminha para um final cuja força acaba banalizada, e o choque que deveria existir simplesmente não acontece, já que a trama acumula uma série de ações de força igual que mal colocadas como foram acabam perdendo sua força narrativa.

A impressão que fica ao final é de que tudo poderia ter sido diferente, tanto para Andy e Henry como para a própria realização do filme, se ao invés de imaginar que ações "tortas" o fariam alcançar seus objetivos, Sidney Lumet e seus personagens tivessem optado pelo mais simples.

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