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Críticas

Cineplayers

O novo universo jovem em um filme mais divertido e inteligente que o esperado.

6,5

O seriado que lançou Johnny Depp. Assim ficou conhecida com o passar dos anos a série Anjos da Lei, produzida no final dos anos oitenta, sobre uma equipe de policiais que trabalhava disfarçada em meio a grupos de jovens para resolver crimes. Ainda que jamais tenha alcançado muito sucesso à época, a produção acabou se tornando a mais recente vítima do vício hollywoodiano de refilmar qualquer coisa que possa render alguns milhões aos bolsos dos estúdios. Felizmente, e de forma até surpreendente, a versão para o cinema de Anjos da Lei (21 Jump Street, 2012) revelou-se bastante divertida, inclusive com certos momentos muito bem-vindos de inteligência e um pouco de subversão, o que já é mais do que se pode esperar da maioria das produções do gênero atualmente.

Apostando muito mais no tom de comédia do que o seu material de origem, os diretores Phil Lord e Chris Miller e os roteiristas Michael Bacall e Jonah Hill (também protagonista) já começam acertando ao mostrar que o filme terá capacidade de brincar consigo mesmo e com seus próprios absurdos. Logo nos primeiros minutos da trama, o chefe de polícia interpretado por Nick Offerman (o hilário Ron Swanson de Parks and Recreation) fala à dupla de policiais Jenko e Schmidt: “Parece que estão todos sem ideias e ficam reciclando coisas, esperando que a gente não note”. Ainda que a autorreferência não seja uma novidade – Pânico (Scream, 1996) já fazia isso há quase vinte anos –, é sempre bacana acompanhar filmes que já começam avisando ao espectador que realmente sabem o que são e o que pretendem entregar.

Mas Anjos da Lei, pouco a pouco, vai demonstrando que conseguirá sustentar a bola no alto até o fim. O roteiro de Bacall é interessante ao subverter as expectativas da plateia, colocando o ex-gordinho Jonah Hill como o garoto mais popular do colégio e o fortão Channing Tatum como o excluído que se alia aos nerds viciados em ciência. A partir daí, surgem uma série de momentos divertidos que brincam com os clichês do gênero. Na verdade, mais do que brincar, Anjos da Lei faz uma espécie atualização dos lugares-comuns de filmes sobre o highschool norte-americano, em um interessante retrato da juventude moderna. O que se vê aqui não é o universo eternizado por John Hughes: no mundo jovem do Twitter e do Facebook, o capitão do time de futebol americano não é necessariamente o mais popular, o nerd pode ficar com a garota mais bonita e as tribos estão em constante mudança. É a inquieta geração Y derrubando estereótipos e preconceitos. “Não entendo essa escola”, diz o personagem de Channing Tatum, ainda preso a uma visão desatualizada do que é, hoje, o universo jovem.

E é extremamente recompensador ver que um filme como Anjos da Lei, supostamente uma comédia sem grandes ambições, possa se prestar a uma análise social e comportamental da sociedade atual. Sim, o retrato é feito de forma rasa e em tom cômico, mas ainda assim traz insights interessantes e uma percepção que a maioria das comédias não possui. Como se não bastasse essa renovação dos estereótipos das histórias de colégio, o roteiro de Michael Bacall ainda consegue brincar com clichês dos filmes de ação em diversos momentos: a sequência na qual os protagonistas esperam explosões que não vêm (e a sua hilária conclusão “galinácea”) é divertidíssima – ainda que, novamente, não seja totalmente original, uma vez que John McTiernan já satirizou isso em O Último Grande Herói (Last Action Hero, 1993).

Aliás, Phil Lord e Chris Miller conseguem manter o equilíbrio entre as sequências de ação e as de comédia, não permitindo que as primeiras se sobreponham às segundas, um problema da maioria dos filmes que misturam tais gêneros, como Segurando as Pontas (Pineapple Express, 2008). Os cineastas também são os responsáveis por algumas das boas gags de Anjos da Lei, construindo diversas piadas sobre o contraste: no início do filme, por exemplo, vemos a dupla de policiais se formando e dizendo um para o outro: “Você está pronto para detonar?”, dando a ideia de que algo explosivo acontecerá na cena seguinte, apenas para mostrar os dois patrulhando um bucólico parque sobre duas bicicletinhas. O recurso é usado mais de uma vez e, mesmo com a repetição, acaba funcionando, como na já citada brincadeira sobre as explosões, na qual os cineastas aumentam o volume da trilha épica e emocionante, fazendo a plateia esperar uma conclusão apoteótica, para cortar a música de forma abrupta, ressaltando a surpresa dos protagonistas.

Mas Anjos da Lei ainda traz outra agradável surpresa: o politicamente incorreto. Nada melhor para uma comédia do que um pouco de subversão e, aqui, os responsáveis não têm medo de quebrar algumas regras da assepsia que domina o cinema comercial norte-americano (visando sempre, obviamente, uma classificação etária mais baixa para alcançar um público maior). O filme traz palavrões, velhinhas sendo empurradas e acusadas de assédio e até mesmo um verdadeiro banho de sangue no final. Muito disso, na verdade, parece vir diretamente dos atores, especialmente de Jonah Hill, que, além de ser um dos coautores da história, honra suas origens da turma de Judd Apatow em cenas realizadas claramente no improviso. Ainda que, ocasionalmente, algumas piadas escatológicas sejam de mau gosto – a cena de um personagem pegando “algo” do chão com a boca logo vem à mente –, não deixa de ser revigorante ver uma comédia que, na maior parte das vezes, consegue se soltar das amarras sem soar gratuitamente grotesca.

Ainda assim, nem tudo funciona. O início do filme é rápido demais, construindo a amizade entre os dois através de uma montagem forçada, que não convence. Dessa forma, o núcleo emocional de Anjos da Lei, com a briga e a inevitável reconciliação dos protagonistas, jamais passa de enfadonho e até mesmo do piegas, prejudicando o ritmo da obra. Da mesma forma, algumas piadas soam até constrangedoras, como toda a sequência dos protagonistas drogados. Aliás, falando neles, vale ressaltar que o filme certamente se beneficiaria de um ator mais preparado para a comédia do que Channing Tatum, que acaba ficando sempre à sombra da verborragia e do talento de Hill para fazer rir (e é impressionante o quanto o jovem intérprete emagreceu para esta produção).

Contando ainda com uma participação especialíssima para a plateia, Anjos da Lei é uma grata surpresa em um gênero cada vez mais comportado e menos inspirado, que normalmente prefere apostar na idiotização do que acreditar na inteligência do público. É também um dos primeiros filmes recentes que mostram perceber que a juventude de hoje não é mais a mesma de alguns anos atrás e que é preciso evoluir. Se essa evolução vier com algumas risadas, como é o caso aqui, melhor ainda.

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