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Críticas

Cineplayers

Vida média.

7,5
O mito de Proteu é simulacro e máscara: ele é ao mesmo tempo revelação e recobrimento. Ele se mostra escondendo e se esconde se mostrando. Cada aparição de Proteu corresponde a uma resposta dada à sua filha sobre sua identidade: cada aparição-resposta é uma possibilidade de resposta local e uma impossibilidade de resposta global, totalizante. Proteu aparece sob várias formas: água, pantera, fogo, etc. Mas quem é Proteu, quando ele não é mais rio, e ainda não é tigre ou fogo?  (Michel Serres, 1982: 33-36) 

Em 1973, Humberto Mauro disse a célebre frase: "cinema é cachoeira". Animal Político é um bom exemplar do sucesso da assertiva de Mauro, pois na tela está um filme que advoga, entende e declara a força da natureza, o fluxo - de imagens e do tempo, da vida e ao mesmo tempo do rigor lúdico que o cinema implica. No primeiro longa-metragem de Tião, a ênfase na visão está engendrada de maneira significativa à duplicidade culpa e associação. A vaca, representação zumbi da classe média-alta brasileira, pronta para murmurar e buscar um significado maior da vida, encontra um mundo de alegorias em primeiro plano para chegar à suposta conclusão do que se trata a jornada do(a) protagonista.

Animal Político é um filme de representações claras. Tudo é formado por alegorias, metáforas visuais longe de uma classificação abstrata, mas é um filme que toma o caminho do simples e sinaliza uma categorização não convencional como forma de estudar o extracampo. Se a vaca é um personagem frustrado(a) com sua vida "perfeita" e busca o deserto como lugar ideal para suas respostas, lá ela encontrará referências de cinema e da vida média brasileira. É importante mencionar a latente questão do modus operandi no feitio deste filme, o que é inevitável quando vemos a Vaca em restaurantes, academias, shoppings e andando pelo centro de Recife. 

De volta ao filme, quando Tião parece chegar ao ápice da discussão que muitos nos últimos anos se mostraram dispostos mas sem coesão suficiente (casos de Brasil S/A e do recente Era o Hotel Cambridge), Animal Político se permite um passo à frente no diálogo ilusionista: um interlúdio que entoa Belair para criticar o cinismo político brasileiro, como forma de se virar diretamente para a câmera, um diálogo frontal, para quem quiser ver/ouvir. Esta não é a única representação e diálogo com o cinema e conflito que Animal Político carrega, pelo contrário, o filme de Tião é ousado o bastante para recriar uma das maiores metáforas sobre o assunto que o cinema estabeleceu. Ainda que a câmera possa tratar essas alegorias como fragmentos, é importante considerar a ideia que a rotina é feita de colagens. 

Animal Político é um filme que permite a perdição - imagética e metafórica -, entre o humor e o lamento, os diversos caminhos tomados e interações diretas com cinema e política para narrar a vida, em devidas proporções como em News From Home, sem a necessidade de feições ou jogos de cena e sim de meras representações como amplificador filosófico antevendo um momento crucial para nossa história. Anula-se a sensação de recomeço, mas Animal Político é filme de permissões, de escrever e reescrever o mesmo parágrafo, muitas vezes sem a óbvia hostilidade que se espera de um filme com esse tema, subvertendo com a ternura da narração de Rodrigo Bolzan sugerindo ironia e pessimismo. 

A vaca, símbolo de suposta intervenção, é o monolito de Tião;  uma estranha aparição que reflete a sociedade e a enche de questões. Nada de ordem e respostas. Mito e pessoa se confundem como saída para um filme de cinema e simetria política. Aliás, mais cinema que política. E isso é ótimo.

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