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Críticas

Cineplayers

A miséria hipnótica.

7,5
Vendido como suspense, esse Animais Noturnos, em sua síntese temática, é um drama amargurado sobre pessoas com suas relações e escolhas. O filme desenvolve-se a partir de uma confluência de 3 histórias: o presente, o passado e a ficção através de um livro. Basicamente veremos a submersão de uma curadora de arte em seus pensamentos, elaborando a leitura que faz, a qual se identifica como metáfora, enquanto recorda suas decisões que a levaram até ali. Sozinha, aguarda o retorno de seu ocupado marido, no tempo em que lê a cópia do segundo livro de um antigo namorado que lhe confiou a primeira leitura, tendo ainda dedicado o exemplar a ela.

A cena inicial traz mulheres obesas nuas dançando em frente a tela, uma imagem de caráter surreal, próxima de composições lynchianas em planos similares aos usados com a mulher do radiador, em Eraserhead (Eraserhead, 1977). A cena diz respeito a uma vernissage. Susan (Amy Adams), bela e independente empreendedora de arte, desfila entre as obras encontrando diversas pessoas e trocando palavras a respeito de relacionamentos. Seu marido, sempre distante, agenda uma nova reunião. É uma introdução breve que às vezes nem parece real, mas parte de um sonho. A maquiagem esconde as olheiras de Susan que logo se revela quando solitária. É alguém que raramente dorme. É aí que implica a dúvida da realidade.

Três histórias em três óticas distintas que se fundem numa linha narrativa em comum: o presente de teor onírico, vivenciado por Susan numa melancolia que extravasa o vazio de uma personagem que diz ter tudo na vida, mas questiona a felicidade; o passado explanado em flashbacks, sendo este o mais tangível devido ao realismo das cenas e personagens; e a imaginação de Susan, ilustrando o que lê, encontrando-se entre os personagens, suas ações e tragédias. 

O estilista Tom Ford, que há alguns anos estreava na direção com o competente Direito de Amar (Single Man, A, 2009), apresenta seu segundo trabalho de direção e roteiro – adaptação do romance de Austin Wright. Tal como no filme anterior, persiste-se a elegância das cenas e de personagens. Muitos closes e algumas coisas notáveis, como a montagem e a transição de cenas, com rimas, o que deixa tudo mais fluído e emprega ritmo dinâmico. Isso nos mantém entretidos com a série de acontecimentos. A história é suficientemente atraente e ali, minutos após o início, dentro do que é contado no livro, reside a mais admirável cena do longa e uma das cenas mais tensas dos últimos anos, com uma família em uma estrada texana, no meio da noite. É para afundar o espectador na poltrona e definitivamente ganhar a atenção deste. Nenhuma outra com essa magnitude existirá posteriormente, mas há outros belos atributos. 

Aqui, vários personagens em histórias distintas cumprem muito bem o papel, ainda que alguns instantes pareçam carregados. Ford dá toda liberdade aos atores para que estes se desenvolvam. Adams é um covil de melancolia e Jake Gyllenhaal – onipresente – tem momentos soberbos, ainda que alguns de seus instantes pudessem ser freados por uma direção de atores mais rígida. Michael Shannon é pontual e extraordinário em cada fala, vivendo um xerife na história do livro. Também vemos um Aaron Taylor-Johnson delinquente e Laura Linney precisa em pouco tempo em cena. 

Muito se diz, muito se mostra. Ford traz pessoas ricas discutindo ideais. Salienta sobre vidas terem tomado rumos inimagináveis, moldados por circunstâncias e designações. E para exemplificar isso, mais do que simplesmente explanar em diálogos, exprime a questão em imagens dotadas de estilo e decisões artísticas que representam perplexidades e incertezas. Uma delas é difícil de esquecer: no meio do deserto, sobre um sofá vermelho sangue, descansa as dores eternas de uma vida, a sensação da miséria hipnótica do ‘e se...’. 

Visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários (3)

Cleber Eldridge | terça-feira, 08 de Novembro de 2016 - 15:56

Tom Ford evoluiu muito em termoa de direção, aqui está mais competente e completo, achei tenso demais.

Letícia Coelho | quarta-feira, 16 de Novembro de 2016 - 13:01

Que crítica boa. Deu pra ter uma visão ampla do filme, eu já estava ansiosa por ele, de como essas 3 histórias iriam se desenrolar uma na outra, pelo visto está bem feita essa nova produção do estilista-diretor.

Edson Cinaqui Filho | domingo, 08 de Janeiro de 2017 - 21:13

Parabéns pela crítica. Uma das melhores que li na net e que sintetiza quase tudo que senti co o filme.

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