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Críticas

Cineplayers

O amor existe?

7,0
Não há dúvidas de que a internet mudou o mundo da música nos últimos 20 anos. Com a ascensão do download e das plataformas de streaming, álbuns completos se tornaram coisa do passado, músicas viram hits do dia para a noite e novos artistas são descobertos onde antes apenas quatro paredes e talvez uma família os ouvissem. A MTV, que já foi a voz de uma geração ao ditar o que estava na moda, não existe como antes e os clipes perderam a força para trilhas que vão sendo compartilhadas na velocidade da luz através das redes sociais da moda. Nesse novo ecossistema, empresários precisaram se reinventar para entender e capitalizar em cima do novo.

No caso de Ana e Vitória, filme que conta a trajetória do anonimato até o sucesso das talentosas Ana Caetano e Vitória Falcão, dá para enxergar um pouquinho de tudo o que foi dito acima. Elas se conhecem em uma festa liberal madrugada adentro, em uma mansão de bela vista para a rodovia Lagoa-Barra. Logo ficam amigas, decidem gravar um vídeo juntas e pronto, com muito talento e um pouco de sorte, chamam a atenção do produtor Felipe Simas, que as guia até o sucesso. Saem os clipes encenados e entra um filme bem realizado, de imagens granuladas que são cinema de verdade, com passagens musicais tradicionais de filmes do gênero e a propaganda, material óbvio do filme, acaba esquecida em uma história realmente bem contada pelas duas protagonistas - que se interpretam -, sempre muito simpáticas e sinceras. É impossível não se apegar pelo sotaque de ambas, vindas do Tocantins (Ana é natural de Goiânia).

Esqueça a comédia romântica tradicional brasileira: as piadas aqui não são sobre peidos, situações constrangedoras ou a certeza de que tudo ficará bem no final; em Ana e Vitória, o trajeto é real, de diálogos inteligentes e bem construídos, cheio de sentimento e de auto-conhecimento. Não à toa, o diretor e roteirista é o talentoso - e jovem - Matheus Souza, que já havia trabalhado o tema antes com outra sensação do novo Pop MPB, Clarice Falcão, em Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida (idem, 2012). Entra e sai geração, os jovens passam pelas mesmas crises de sempre: entre um passo e outro na escalada do sucesso, elas se questionam constantemente sobre o que é o amor, como ter relacionamentos verdadeiros e se existe realmente felicidade nessa fórmula toda. É um filme, novamente, sobre não sabermos quem somos ou o que queremos.

Moderno, adota os visuais do Instagram constantemente como parte orgânica de sua narrativa. Pode datar o filme? Claro que pode, mas não deixa de ser charmoso o modo como os textos e fotos falam mais do que palavras para uma geração que vive de Instagram, Tinder, Facebook e demais redes; sem nunca julgá-las ou usar o velho discurso de “antigamente que era muito melhor”. Há o amor por todos os lados, mesmo que Ana, Vitória e ninguém de sua equipe realmente o entenda. É liberal, afinal, não importa quem nós amamos - e muito menos se é homem ou mulher -, mas se o que sentimos é real e se vale a pena ser vivido. Engraçado que, fora os questionamentos, quem faz o melhor diálogo sobre o tema é justamente Felipe Simas, investidor e empresário que entende essa nova geração e aposta em um filme diferente para vender suas assessoradas de forma natural, sem nunca parecer propaganda - mesmo com os patrocinadores jogados na nossa cara! Esse seu monólogo respondendo ao questionamento de uma delas é lindo demais.

É, novamente, um filme de verdade, com planos bem pensados: o uso do espelho, por exemplo, é inteligente por sermos nós ali, naquele reflexo, mesmo que não nos conheçamos plenamente, ou então imagens mais metafóricas poetizadas, como as duas namoradas enroladas, “presas” pelos fios de sua profissão. Visualmente, é bonito pra caramba em diversos momentos e usa a linguagem do cinema quando é necessário, como a bela passagem de tempo do relacionamento de uma das meninas com um namorado dentro do carro. Conseguimos ver claramente os dois se apaixonando, curtindo esse amor, começando o desgaste, se afastando e o término em apenas alguns instantes.

Às vezes parece fantasioso demais em um mundo com pessoas tão inteligentes e tão evoluídas o tempo todo, mas tem o mérito de nunca soar falso. É cativante, seja na sua realidade ou nos momentos fantásticos de musicalidade, ver em tela uma história real sobre o que é o amor e uma amizade verdadeira em uma época onde as pessoas se apegam cada vez menos umas às outras. Ensina, mas acima de tudo, motiva a espalhar todo esse amor. Dá para se jogar sem medo, e talvez encontrar uma pessoa que valha a pena você ficar quinze anos ao lado e ainda ser feliz todos os dias com ela, até mesmo em uma segunda-feira pela manhã.

Essa nova geração da música popular brasileira, composta pelas meninas no seu duo Anavitória e uma série de outros nomes por aí (Varandistas, Ana Vilela, Cícero, Tiê, 5 a Seco, Marcelo Jeneci, Maria Gadú, Banda do Mar, Rubel e etc etc etc) merece uma atenção mais cuidadosa de sua parte.

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