Antes de ver Amor Pleno (To the Wonder, 2012), fiz planos de, ao escrever sobre o filme, evitar qualquer menção ao titulo anterior de Terrence Malick, concentrando-me apenas nesse novo trabalho, ao contrário da maioria absoluta de quem já discorreu sobre ele. Finalizada a sessão, voltei atrás em meus intentos: não há como dissociar esse último como uma extensão assumida do tão discutido A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011), sem os maiores excessos deste, mas com poucas de suas virtudes e atributos. Detratores de The Tree of Life quem sabe não se aborreçam tanto diante desse novo, mas tampouco terão com que se empolgar.
É como se, comparando ao que ocorre com certos conjuntos ou intérpretes musicais, Malick houvesse anteriormente trabalhado num ambicioso álbum duplo, irregular e poderoso, e com as suas sobras confeccionasse este Amor Pleno, tecendo narrativas, sensações e olhares, dotado de volubilidades ou em comunhão com uma errância profunda (até aqui nenhum problema), repetindo procedimentos semelhantes, com pouco a dizer ou acrescentar. Um cinema de sensações e deslumbres, envolvente mas vazio, belo e insípido, cuja metragem menor em relação as obras anteriores do cineasta possui somente cerca de (generosas) duas horas de duração (pode-se enaltecer a sua montagem), mas que nos últimos trinta minutos se encaminham progressivamente à insignificância.
Faltam a subversão e o desafio que transformam todos os filmes anteriores de Malick em choques estéticos e em esfinges que bem ou mal desconcertam a percepção do público. Se em A Árvore da Vida tudo passava por um processo de ressignificação, e por um filtro subjetivo, gerando no espectador um não-saber portar-se diante do filme (o que resultou tanto numa entrega irrefletida ou com cautela por parte de alguns, ou na rejeição pura em outros), em Amor Pleno há uma acomodação e reiterações formais diante de alguns mesmos artifícios e movimentos de câmera, com suas profusões de contra-plongées, e as lentes apontando para os céus, folhas balançando ao vento, câmera debaixo d’água, o que nos faz pensar que, com tantos projetos em andamento − existem três novas produções com roteiro e direção seus previstos para o próximo ano −, se continuar investindo em suas tendências new wage, o diretor parecerá estar inaugurando uma nova linha de perfumes cinematográficos, com o aval da indústria, que depois da Palma concedida em Cannes em 2011 pode ter assinado de vez um cheque em branco para que se concretizem sem freios as suas megalomanias.
Porque se uma das acusações mais graves a que reduzem esses últimos filmes é a aparência de trailers gigantescos, o pior na verdade é quando eles se aproximam perigosamente do aspecto de um comercial publicitário. Tudo é excessivamente lustrado, bonito, encerado demais, desde os objetos em cena, roupas, paisagens e os próprios atores (o elenco de Amor Pleno parece tão somente um entre tantos artefatos calculadamente inseridos no filme com o propósito de, por trás de sua proposta arrojada, cativar a empatia de um público consumidor). Malick vive a filmar um presente que não se sustenta, que não pode ganhar consistência. Não há maiores problemas em não se contar uma história de maneira tradicional, no entanto as relações do casal Marina (Olga Kurylenko) e Neil (Ben Affleck, inexpressivo) entre si, e com os novos personagens que conhecem ou reencontram (o padre interpretado por Javier Bardem, ou a amiga de infância de Neil) sofrem pela falta de uma dramaturgia que lhes dê substância: vemos as imagens, mas não as cenas como uma boa experiência de teatro que deve ser assimilada no cinema, pois estas imagens de Amor Pleno se encontram liquefeitas, dentro de uma defasagem do espaço que coincide com a do tempo narrativo. Em certos momentos, a narração em voz over de uma das protagonistas feminina, enquanto ela caminha pela rua, diz coisas como “volto ao meu apartamento e entro em colapso” ou algo do gênero. O que vemos não corresponde com que ouvimos, o filme se nega a reforçar e sintetizar em cena o que deveriam ser os dramas dos personagens e os transtornos que nos são sugeridos que estejam eles atravessando. Amor Pleno se propõe a inserir reverberações no seu todo e na mente do espectador, porém não ultrapassa uma estética diluída e já vista, sobrando de seus conceitos uma filosofia de botequim, uma metafísica de bazar.
É inegável que, se A Árvore da Vida sofria com tantos problemas (entre eles o de não raro se apresentar muito vago e difuso), também era possuidor de um sentido fascinante graças às forças cósmicas a que se dirigia, e de partindo de um universo que surge e se expande no meio do nada, e dos movimentos de corpos no espaço (terreno ou celestial), lidar com probabilidades e frente ao grandioso e desconhecido. Amor Pleno é o que restou dessa investigação toda, confiando que as relações amorosas poderiam resultar em experiências igualmente grandiosas. O que nos possibilita embarcar por duas horas em mais uma viagem pelas profundezas visuais e sonoras do cinema do diretor, ao mesmo tempo em que representa um retrocesso evidente em sua filmografia.
Adorei o filme.
De novo, Malick não está preocupado em oferecer uma leitura única e escolhe olhar as lacunas e investigar o etéreo.
Por mais pretensiosa que seja essa ideia, foi corajoso da parte dele tentar dar conta disso.
O filme anterior \"A Árvore da Vida\" é melhor.
Adoro Malick.
É um diretor pessoal, que filma com uma firme personalidade.
As pessoas se acostumaram com as podreiras do cotidiano cinematográfico e acabam por não compreender Amor pleno....
Excelente crítica. O quarto parágrafo descreve exatamente o que eu pensava enquanto assistia o filme.