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Críticas

Cineplayers

O cinema dos anos 60 como peça de museu.

7,0

Amor (Amour, 2012) é o típico filme europeu dos nossos tempos: a paranóia dos habitantes do Velho Continente com a decadência de sua cultura, em especial a “alta” cultura, o sistema de saúde lotado e ineficiente, a arrogância dos mais jovens, a distância dos filhos, imigrantes por todo lado fazendo trabalhos braçais. A deterioração do casal retratado não é apenas física: é social e cultural também. Tudo desmorona.

Michael Haneke usou a mesma estrutura dos seus trabalhos anteriores para contar essa dura crônica sobre a atualidade europeia. Há um inimigo latente, como em Código Desconhecido (Code Inconu, 2000), que aprisiona todos na casa, como nas duas versões de Violência Gratuita (Funny Games, 1997 & 2007), mas agora esse inimigo não é externo: ele é interno,  uma doença degenerativa que ataca por dentro. O ataque é insiodioso e sem explicação como em Caché (idem, 2005). Encarceradas, suas personagens vão agir no seu limite, muitas vezes esquecendo-se da ética.  Haverá também violência (não há cena mais brutal no filme do que o marido batendo na esposa) e, não muito diferente dos demais Haneke, haverá também assassinato e morte.

A diferença aqui é que Haneke, desde a versão americana de Funny Games, resolveu jogar para a galera e fazer filmes mais, digamos, “populares”. Tentou o nazismo, assunto fetiche nos filmes “cults” do circuito, no trabalho anterior, A Fita Branca (Das weiße Band, 2009). Em Amour, utilizou todo seu requinte intelectual, seu bom gosto, dois atores magníficos e até um pianista real (Alexandre Tharaud, vestido de existencialista sartriano) nessa sombria história de um casal idoso às voltas com o derrame da mulher. Filmou tudo com o mesmo rigor dos anteriores, a mesma camera parada um tanto distante, com planos-sequência, mas com muito mais apelo melodramático. Reduziu a complexidade das personagens (a filha, Isabelle Huppert, é uma bruaca; o marido, praticamente um mártir) e fez talvez seu filme mais “acessível”, menos conceitual, com diálogos literários de uma beleza a toda prova (soam falsos de tão impecáveis, mas não importa). É Haneke jogando com o mercado de cinema de hoje em dia.

Talvez pelo fato de ter em cena dois ícones do cinema dos anos 60, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, a inesquecível diva de Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour, 1959), à primeira vista Amour parece um filme dos anos 60. Entretanto, à medida que o filme avança no seu ritmo cerrado (mais rápido entretanto para um Haneke), o que se vê na tela, o que se escuta, parece uma montagem de ópera:  lembrança de um passado longínquo, glorioso, mas definitivamente enterrado. Não há como não gostar de Amour: tudo é tão elegante, tudo tão fino, tão soberbamente encenado, de forma que não há outra opção diante do filme senão venerá-lo. Se Haneke quis fazer algo para as plateias da Era das Celebridades, que vêem filmes para ficar suspirando por eles depois, ele certamente conseguiu seu intuito.

Não que Amour seja um mau bom filme. Traz a discussão da decadência física causada pela velhice ainda não de todo discutida – ainda mais no cinema. A ciência fez o homem viver como nunca, mas há um preço por isso,  os problemas que a idade avançada traz, e nossa sociedade ainda não está preparada para enfrentar derrames, infartos, Alzheimer e Parkinson, entre outros. Amour discute isso bem, pois Emmanuelle Riva é muito convincente na sua atuação – ainda mais se temos em mente a canastrice de Anthony Hopkins em Lendas da Paixão (Legends of the Fall, 1994), com resultados infinitamente inferiores.

As cenas com Riva são permeadas com o famoso masoquismo de Haneke. A mais sintomática talvez seja a do casal que faz os trabalhos domésticos. Gente simples, são os únicos que demonstram algum tipo de compaixão pela situação dos dois idosos, mas o sentimento não é bem-vindo, soa desnecessário, descabido. Não há redenção nos filmes de Haneke, nem mesmo alguns momentos de alívio. Tudo isso, claro, embalado pelos Improptus de Schubert e pela Bagatelle, de Beethoven, enquanto a mulher passa aspirador de pó do lado do piano. Um luxo.

Enfim, um bom filme de atores, discutindo um tema espinhoso, que a sociedade ainda não tem respostas prontas – como nos anos 60, aliás. O problema é que Haneke fica de longe, vendo tudo, lava as mãos. Não se engaja, não tem propostas. Sua força criativa é mais no intuito de fazer algo bonito. Talentoso e por vezes brilhante, o diretor austríaco conseguiu seu intento de fazer um filme classudo e impactante, uma espécie de James Ivory austríaco. Talvez ele esteja correto na sua proposta: enterrar de vez o cinema dos anos 60, uma vez que “cultura” hoje tem uma nova acepção e não é no cinema (como não é mais na literatura) que os grandes temas da atualidade estão sendo discutidos. Ao mumificar o grande cinema dos anos 60, ele o aprisiona no tempo. Podemos partir para outras coisas e até mesmo esquecer essa maneira de se fazer cinema.

Pelo menos no quesito memória, se Emmanuelle Riva esteve mais bem servida no filme de Alain Resnais, teve um bom momento em Amour para a falta dela.

Comentários (14)

João Júlio | quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2013 - 19:41

Merecia uma notinha maior né.

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