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Críticas

Cineplayers

Humor gay no retorno irregular de Pedro Almodóvar às comédias rasgadas.

5,5

Os fãs recentes de Pedro Almodóvar que se desprendam do bem recebido requinte do thriller A Pele Que Habito (La piel que habito, 2011) ou da carga dramática e passional dos excelentes Volver (idem, 2006), Fale com Ela (Hable con Ella, 2002) e Carne Trêmula (Carne Trémula, 1997). Em Amantes Passageiros (Los Amantes Pasajeros, 2013), o cineasta espanhol resgata elementos derivados do período em que produzia curtas-metragens em Super 8 na década de 70, como a incursão pelo cinema de gênero (nesse caso, a comédia), extrema liberdade para tratar de temas sexuais, a adoção de um estilo transgressor e provocativo e até mesmo o recorrente travestismo em sua obras, os reunindo todos no filme mais descompromissado e homossexual de sua carreira.

E o espectador não pode se queixar de desaviso. Almodóvar dá a primeira mostra de seu descompromisso ainda nos minutos iniciais, quando os astros de seu elenco, Antonio Banderas e Penélope Cruz, surgem como reles funcionários de um aeroporto. A aparição do casal de atores (ícones da carreira de Almodóvar) é descontraída, meteórica e muito eficiente, pois, ao parodiar o status que ambos alcançaram no cinema mundial, ilustra o humor e a subversão estendidos por todo o filme, também metaforizando a condição destoante do presente longa-metragem na filmografia recente do cineasta, a atingir o ápice de um crescente em sofisticação e elegância. É um filme menor, e Almodóvar está aqui para divertir e se divertir, apenas.

Apesar da pequena participação especial de Cruz e Banderas, a dupla recebe alguma importância na trama: Jessica surpreende León com a notícia de que está grávida e o homem esquece de recolher o objeto que mantém o avião estático na pista de pouso e decolagem, descuido esse que danifica o trem de pouso do avião. O dano obriga o comandante Álex (Antonio de la Torre) e o copiloto Benito (Hugo Silva) a andarem em círculos pelo espaço aéreo, até que sua aterrisagem de risco seja permitida por um aeroporto próximo – perspectiva essa que leva o trio principal de comissários de bordo, os afetados e alcoólatras Joserra (Cámara), Ulloa (Arévalo) e Fajas (Areces), a entrarem em desespero.

Esse cenário é perfeito para que Almodóvar exercite subgêneros que lhe são muito caros e que marcam os dois longas-metragens que findam a fase inicial de sua carreira (Maus Hábitos [Entre Tinieblas, 1984] e O Que Eu Fiz Para Merecer Isto? [Que He Hecho Yo para Merecer Esto?, 1984]: a screwball comedy e o cinema gay. Outra tendência do cineasta espanhol, o kitsch é abraçado em duas instâncias: visual, com figurino e design de produção em tons fortes de azul e vermelho que transformam o interior do avião numa verdadeira boate GLS; e tematicamente, uma vez que essa estética é associada ao vulgar e a estereótipos sociais, elementos não apenas amplamente explorados pelo cineasta como parte da estrutura do roteiro.

Isso porque o texto não possui um arco dramático nem remotamente definido. Se a trama de Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas da Turma (Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón, 1980) é composta de três histórias parcamente conectadas, aqui o formato é simploriamente baseado em esquetes a partir de situações cômicas majoritariamente derivadas das mais escrachadas afetações homossexuais. Tal opção, muito coerente com a proposta de desapego a qualquer tipo de convenção exposta ainda no primeiro ato, é eficiente até certo ponto. O filme em si é bastante divertido, a despeito do limite de alcance dos temas abordados (mesmo na cabine de imprensa, era fácil notar a discrepância entre pessoas identificadas com aquele universo, que se escangalhavam de rir, e os mais conservadores, que se mantiveram impassíveis). Almodóvar tem tanta ciência disso que prepara piadas/alfinetadas para um alvo bem definido, ao colocar o machão como um bissexual enrustido ou ao dizer que todo homem que passou pelo serviço militar teve uma experiência homoafetiva.

Por outro lado, o cineasta espanhol se aproveita do comportamento anárquico de sua comédia para romper abruptamente com a lógica narrativa desenvolvida até então, deslocando o espectador para além do interior do avião com a equívoca finalidade de exibir o triângulo amoroso do personagem mais apagado do filme, numa historinha de amor melodramática (outro resgate do diretor) propositalmente brega e irremediavelmente desinteressante, despropositada e dispensável. Almodóvar está longe de pretender uma trama consistente ou coerente, mas esse é um exemplo de excessiva autoindulgência que prejudica o filme como um todo.

Vale ainda ressaltar que a comédia não se limita por completo, e, se apropriando de outra característica do "período embrionário" de Almodóvar, ironiza o panorama contemporâneo social (o apego excessivo a redes sociais e smartphones), geopolítico (o mercenário mexicano) e econômico (o empresário corrupto, o jovem desempregado que trabalha como "mula", o avião desgovernado em que uma classe dominante pervertida e contaminada guia uma população adormecida) da Espanha e do mundo. Porém, é curioso perceber como seus melhores momentos são mesmo ligados à homossexualidade excessivamente aflorada da formidável trinca formada pelos excelentes Javier Cámara, Raúl Arévalo e Carlos Areces (a personagem deste, a bichinha blasé/rejeitada mais engraçada do Cinema).

Assim, ainda que jamais alcance o patamar de seu primo hetero, Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu! (Airplane!, 1980), Os Amantes Passageiros apresenta ótimo timing para o humor, um par de situações absurdas bem engraçadas e eventual capacidade de contornar (até ironizar) a existência de um público-alvo bem definido e limitado. Mais positivo é perceber, da banalização da homossexualidade e pelo tratamento de um tema tabu com tamanho desprendimento, a obra de um artista irreverente e convicto, que soa como um oportuno grito de liberdade em um mundo insistentemente hipócrita, egoísta e preconceituoso. O pecado de Almodóvar é o excesso, uma empolgação incontida que redunda em sequências longas, de gosto duvidoso (como o clímax sexual decorrente do uso de mescalina), numa irregularidade flagrante e na certeza de um filme menor também em qualidade na carreira do cineasta.

Comentários (15)

Alexandre Baquero Lima | segunda-feira, 15 de Julho de 2013 - 09:39

dar um soco no cara por causa de cacoetes irritantes nos filmes dele? pô. todo mundo é livre pra assistir ou não o filme. Isso mais parece comentário de um enrustido do que uma crítica ao cara.

Gostei do filme e concordo bastante com a crítica, só daria um 6.0 em vez de 5.5, rs.

Rodrigo Torres | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 10:03

Eu ainda paro de dar notas quebradas, Alexandre. É quase uma compulsão. 😏

Vinícius Cavalheiro | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 10:10

eu amo Almodóvar e DETESTEI essa joça hahaha pior filme dele e muuuuuito provavelmente o pior filme que vi esse ano.

Rodrigo Torres | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 11:05

Veja O Concurso, meu caro. E, segundo dizem, País do Desejo, Requiém para Laura Martin, O Último Exorcismo 2 (dizem que consegue ser pior que o primeiro!)... Enfim, dê chance a bombas piores! rs

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