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Críticas

Cineplayers

A lente enamorada pelo Gigante.

6,0
Inserir flashes da realidade na ficção, ficcionalizar levemente a vida real. Além dessas ferramentas, que já são delicadas para desenvolver e manter um projeto intacto, ainda promover uma homenagem e também inseri-la no contexto geral, misturando protagonismo a uma ânsia por um lugar muito particular de amansar saudades. Conceitos demais para uma produção ligeira que deveria entreter? Talvez falte equilibro entre suas intenções e resultados, mas não dá pra dizer que falte carinho e delicadeza a Altas Expectativas, um filme que tenta avançar umas casas na aceitação à diferença, venha ela do tamanho que vier, mas que tem muito a dizer, tanto a abraçar e um sem número de alvos para acertar. Óbvio que não acertaria todos, mas sua vontade de desbravar um lugar novo no olhar para a melancolia e a depressão são acertos em temas raramente ambicionados.

Pedro Antônio e Álvaro Campos não são exatamente dois diretores com mãos capazes de revolucionar fotogramas. Mas como nem eram esses os intentos, passamos com tranquilidade e dose de reflexão pela saga que o longa conta. Como já dito, o filme passeia por uma série de homenagens: o pai do diretor Álvaro, que era treinador de jóqueis como o protagonista, é também um desdobramento da vida do ator central do filme, além de homenagem ao mesmo. Embora a primeira homenagem seja necessariamente não mais que uma referência, fica claro que existia uma preocupação em situar o filme num ambiente confortável e amoroso para a realização, e isso talvez traduza a relação do outro personagem que se reflete ali. Décio, na verdade Gigante Léo. Ou, como prefiro chamar a partir do filme, Leonardo Reis - acima de tudo, um ator. E um de excelente safra. 

Leonardo Reis é o motivo principal para a existência do projeto, que nada mais é do que uma versão romanceada de fatos que aconteceram na sua própria vida. Tendo de lidar com seu nanismo, Leonardo acabou por se apaixonar por uma jovem que estava na plateia de um de seus espetáculos de stand-ups. Foi amor à primeira vista, e a dupla de diretores transmite em seu longa mais do que a vida dele; necessariamente, criaram uma versão ficcionalizada de seu protagonista. No filme, Leonardo é o treinador de jóqueis Décio, um homem que tenta se recuperar de uma desilusão amorosa e está no fundo do poço emocional. Um dia o café do Jóquei Clube é arrendado por uma nova dona, a melancólica Lena. Vivida por Camila Mardila, a personagem parece não ter qualquer traço de simpatia, vivendo constantemente séria e fechada. Décio então se derrete pela jovem mulher que ele passa a vigiar através de um binóculo, e uma frágil relação começa a surgir e se embrenhar entre os dois.

O melhor aspecto de Altas Expectativas é em quebrar a resistência do público que espera de um filme estrelado por um ator anão real uma comédia física e histérica. Exatamente o oposto disso, o filme se alicerça na relação super complexa entre os dois protagonistas, que acima de qualquer outra coisa sofre com experiências do passado e com a rotina de uma vida atual sem brilho. A partir do encontro desse viés improvável entre o casal, o filme começa a enraizar uma estrutura de comédia dramática e acaba conquistando o espectador médio muito mais fácil, por incrível que pareça. É improvável não se identificar com o tom do filme em alguma parte da vida pessoal e, se Pedro e Álvaro não procuram opções rebuscadas visualmente para contar sua história, ao menos um bom desenho de protagonistas é conseguido. Entre os coadjuvantes a situação é menos bem sucedida, com um grande número de atraentes personagens defendidos por um elenco incrível (como Felipe Abib, Maria Eduarda e Milhem Cortaz) que devem estofo e maior detalhamento ao seu percurso, criando uns vácuos de interpretação de situações nada boas.

Para dar certo, no entanto, o filme necessitava de uma performance especial em seu centro. Embora Camila Mardila mais uma vez acerte no seu tom e construa uma Lena sutil e verdadeira em cada mínimo gesto, era Décio quem precisava brilhar; o filme gira em torno dele, não é? Como Leonardo era também responsável por fornecer argamassa para a história, não tinha como substituí-lo, mesmo com riscos que teriam de contar com um ator de experiência solitária de palco. Mas Leonardo não precisa que mais de uma cena pra encantar, o mais impressionante é vê-lo se avolumar conforme o filme avança.

Ainda que tenham tido a duvidosa ideia de utilizar trechos reais de apresentações de Leo, esses mesmos trechos acabam também por comprovar sua versatilidade. Décio é um homem real, vivo, um personagem palpável, bem diferente do ator Leonardo Reis - e só existe graças ao mesmo. E como existe. Brilhante nas cenas dramáticas e também nas sutilmente cômicas, Leonardo é uma força intensa e poderosa em cena, que captura todos os olhares quando está em quadro, enquanto ele mesmo também tem seu brilhantes olhos serem alcançados no mais belo plano de Altas Expectativas: câmera parada, estática, se aproxima do rosto de Leonardo. Nada mais em cena, um homem e seu reluzente olhar.

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