7,5
Estar num festival de cinema envolve muito mais do que assistir filmes e escrever críticas. A mais óbvia é viajar, seguindo por encontrar amigos e pessoas queridas, e por fim conhecer novas cinematografias, geralmente influenciado por alguma conversa, dica ou debate. Na quinta-feira, a curadoria se expôs e falou de suas muitas "verdades" por trás de escolhas, posições em cada mostra e aproveitou para apontar títulos, uns poucos. O curador/programador Eduardo Valente foi categórico em sua fala para descrever Alipato: A Brevíssima Vida de um Malandro no Olhar de Cinema: era o filme que ele imaginava que incomodaria, e por isso ele teria sido selecionado. Pois essa informação dá as caras já na abertura do filme, e eu digo que é necessária uma dose de boa vontade e outra de espírito desbravador para se envolver com o longa do filipino Khavn de la Cruz, mas tão logo se consiga ultrapassar umas barreiras morais e as tais incômodas sensações descritas por Valente, e a provocação de Cruz começa a incomodar cada vez menos e empolgar cada vez mais.
De fato não estamos de frente de um longa fácil, muito pelo contrário. A proposta aqui deve ser facilmente a de tirar qualquer um da zona de conforto, e o filme cumpre essa meta com louvor, e essa é apenas uma delas. O filme acompanha num clima quase de uma fábula macabra e bizarra uma gangue extremamente violenta formada por crianças moradoras de um lixão grotesco em 2025, um universo tão decadente quanto assustador. Após uma tentativa de assalto ao banco central frustrada, o chefe deles é preso e liberto somente 28 anos depois, que numa animação ultra estilizada ficam as dicas do tanto que aprontou atrás das grades, para somente em 2053 ganhar liberdade. Mas tudo será como antes, ou pior, já que os integrantes de seu antigo grupo começam a ser assassinados com requintes de crueldade (aliás, taí algo que não falta ao filme), e esse malandro tem de descobrir o que está acontecendo. Mas não é uma grande preocupação; mais atraente é iniciar um caso com uma moça grávida que fazia parte de sua gangue 28 anos antes, quando essa mesma grávida era um bebê fumante de dois anos. Sim. E sim.
Bom, e é este expediente de quanto mais grotesco melhor que o longa serve, e ao contrário do que se possa imaginar, as situações assustadoras mostradas partem do gratuito para acabar servindo como uma espécie de denúncia moral sem qualquer tipo de panfleto, principalmente sobre a situação alarmante que um país como as Filipinas vive há muitos e muitos anos, com ditaduras e governantes tão disparatados quanto os americanos, sejam eles do Norte ou do Sul. Como já visto em produções de Lav Diaz e Brillante Mendoza, o país está em constante manutenção de sua humanidade tão continuamente depauperada, o que felizmente não alterou o talento e a energia de seus cineastas, ao menos. Cruz já tem outros longas anteriores, mas parece querer deixar uma marca de risco e de impacto inegável, e em 10 minutos de filme o intuito foi conseguido. O rolo compressor de coisas gravíssimas mostradas é non stop, e lá pelas tantas, anestesiado, o viés político parece claro e inevitável.
Independente de qualquer desagrado a retinas colonizadas para reconhecer beleza apenas em coisas tão quadradas, Alipato promove sua pequena revolução interna com absoluta riqueza estética, seja na criativa direção de arte ou na quantidade exorbitante de planos-sequência propostos pela direção, de não apenas perder o fôlego como também de perder a conta. Ainda que o filme seja cru e tenha uma aparência desleixada, é fácil perceber que esse desleixo foi muito bem pensado e elaborado, nada por acaso. Que Cruz lembre até em determinado um Harmony Korine lá de trás (algo como Gummo faz bastante sentido em determinadas passagens da produção) não tire de seu longa uma necessária anarquizada nos tempos politicamente corretos, mesmo que as vezes sobre forma e falte conteúdo.
Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba
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