Saltar para o conteúdo

Alien 3

(Alien³, 1992)
6,2
Média
322 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

O demônio carrasco de Alien 3

9,0

Os filmes da Saga Alien possuem uma postura complexa tanto na gênese do horror que propõem, quanto nos artifícios de linguagem ligados a tal intento. Em Alien 3 (1992) isso não seria diferente. Uma produção absolutamente caótica em sua feitura que resultaria numa obra incompreendida, renegada por seu diretor, e fragmentada. Eis que remontaram o longa de forma que atingisse uma proximidade com o que, de fato, queria David Fincher. Ora, se antes tínhamos um filme denso, violento e que crescia a cada revisão, a adição de 40 minutos numa versão alcunhada de "Assembly Cut" viria ao mundo no Box de 9 discos “Alien Quadrilogy” de 2003 (edição que tenho com indisfarçável orgulho) com versões originais e estendidas, das quais a estendida de Alien³ é, de longe, a que mais se destaca. Completando uma obra que já era massa.

Direção impecável. Escolha de planos com algumas rimas visuais invocadíssimas. Fechando planos em aproximação na tensão da descoberta, enquanto Ripley desconfia de algumas mortes iniciais, a câmera se aproxima de sua face, a indagando. Até que tudo escureça. E, em seguida, nos zooms de dúvida quando se afastam dos outros personagens, como com o Dr. Clemens (Charles Dance), numa escolha que denota dúvidas dele em saber o que acontece, sem ter um conhecimento prévio, como tem Ripley. Atenção aos contra-plongées (excessivos e excelentes) nos discursos replicando altares religiosos numa conjuntura orgânica ao tom de Messias e seguidores que a fita conclama. Uma parte técnica em prol do horror. Iluminação obscurecida, num excelente uso do scope. Tom sépia no pós-apocalíptico no velho abandonado sem tecnologia. Personagens sob o controle de suas vidas em rotina. Até o aparecimento do monstro, onde a fotografia se transforma, para denotar o caráter diminuto do humano frente a essa figura, uma figura de desordem. Caos. A presença de uma trilha sonora trágica, melancólica e soturna completam o trabalho. A montagem também deixa seu recado em prol da religiosidade gritante. A morte do humano e o nascimento do alien. Morte e ressurreição. O montador Terry Rawlings (que também editou Alien, o Oitavo Passageiro) nos brinda com o enterro dos humanos que, supostamente, haviam escapado no filme anterior, intercalando com o nascimento do detrator dos humanos. O apocalipse tem um início. "A cada morte há uma nova vida. Um novo começo."

Ao contrário dos dois anteriores, a tensão é estabelecida de início, com Ripley sendo uma estranha no planeta presídio, e, com isso, sofre as consequências, como no caráter sexual presente, na tentativa de estupro, como se não bastasse já ter sido violada pelo Alien. A evolução de Ripley. O fatalismo de sua existência. O isolamento de cada um com seus demônios. O dela incluso, que é enorme. E está no ventre. Na união entre o humano do grupo dos desbravadores e o bicho, agora prestes a parir este leviatã com que tanto lutara contra. As cores. Fumaça. Amarelo e preto. Vermelho do sangue. Escuro. Podre. Assim como seus presidiários. Cor de sujo, excessivo. A opressão pelo aspecto nauseabundo; nos planos, com personagens amassados nos cantos enquanto o monstro amassa os planos (ativos com a galera e passivos com o Alien); e pelas cores, não pela claustrofobia, como era no primeiro — e nem pelo exagero do segundo. O sentimento de fim de trajetória. A caminhada tem um objetivo. Findar.

Sujeira. Imundície. Lixo. Abandono. Violência. O mais violento. Combinado ao aspecto de imundície de uma prisão. Vai no caminho contrário do visual tecnológico e até sujo, mas compensatório dos dois primeiros filmes. Fincher aqui quis ir além. O Alien é o monstro que a imundície humana merece. E o conflito empírico com esta fera é através da esperteza. Não existe armamento. Um retorno às possibilidades anteriores de existência. Não há escape. A esperança de escapar daquilo tudo é posta em prova através do livre arbítrio, pensamento racional e fé, dados por Deus. Ou seja, aqui os humanos encontram um desafio a um nível mais antigo. Primordial.

A questão religiosa. O monstro mitológico. Não-antropocêntrico e antropocêntrico ao mesmo tempo. Com formato humano, bípede se formos nos aproximar mais do contexto, mas como algo a ser temido por ser diferente, maligno, não feito totalmente à semelhança do suposto criador. Um anjo caído? O leviatã. O demônio. O juízo final. Alien como uma divindade. Deus ou demônio? O filme levanta estas questões mediante o caráter de seita dos presos que se agarram a um único modo que acham tangível de lidar com o total isolamento e o desprezo da sociedade com eles e pela recíproca que devolvem. Esta versão estendida impõe este caráter messiânico via isolamento, de maneira mais objetiva e violenta, o que já era dado ponto importante do corte original, a existência num mosteiro de assassinos e estupradores, o planeta Fury 161, colônia penal da Weyland-Yutani. A função do profeta. Pessoas à espera de um fim em busca de uma absolvição que não chega, que requerem uma liderança na figura de Dillon (Charles S. Dutton), um dos personagens mais intrigantes de toda a saga. Esta figura personifica a religião cristã fundamentalista apocalíptica, com certa simbologia dos Panteras Negras. Ele visa a tranquilizar uma espera longe dos percalços sociais que objetivaram os criminosos a estarem ali. Caberia a tal liderança apontar um caminho. A tal espera se justifica no julgamento que, de uma forma ou de outra, acaba por chegar. Religião como punição e redenção.

O monstro. Um grupo, perto do fim, decide terminar a luta. Tais quais antigos navegantes. Em busca da sobrevivência de enfrentar o desconhecido, sem o glamour de desbravadores a perseguirem objetos tendo de passar por monstros míticos. Não há mais o desafio ou a procura por dádivas e evoluções. Seres humanos falhos, entre psicopatas e estupradores, querem viver e aceitam o destino de lutar, mesmo que este seja o fim aguardado. Será este o julgamento destas almas? O monstro como agente do caos. Quebrando a ordem e impondo seu ciclo. A prisão do mesmo e a suposta redenção. Momento desta versão que nos mostra o alcunhado Dragão, a trazer loucura e fanatismo latentes ao nível físico, como quando é solto de sua armadilha por um maluco que crê no Alien como um ser superior a ser obedecido. O bicho agora assume de vez o caráter de divino monstruoso. E como Deus odeia os covardes, temos o conflito aberto, que só pode terminar com algum tipo de expiação, que cabe a uma salvadora. Ripley. Sacrifício e redenção. Como portadora dos males levados àquelas paragens, ela assume a responsabilidade de dar cabo finalmente ao tal ser que a persegue. Tal qual como Cristo ao sentir que a única forma de mostrar o que seria melhor ao ser humano teria de vir através do sacrifício próprio. Esta seria a expiação de Ripley. Desbravadora. Mineradora. Mãe. Guerreira. Estuprada. Suicida. Expiada. Filmaço.

Texto integrante do Especial Monstros no Halloween

Comentários (0)

Faça login para comentar.