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Alice Júnior

(Alice Júnior , 2019)
6,7
Média
6 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma fera que ruge por lugar de fala cinematográfico

7,0

Uma das discussões mais interessantes acerca da existência de festivais que tenho acompanhado há algum tempo é sobre a relevância dos mesmos, no que o conteúdo do que é curado teria papel decisório em cima desse debate. Dito isso, por que filmes amplamente reconhecidos como comédias têm tanta dificuldade de se enquadrar nos festivais como um todo, e no Brasil em particular? Independente do que consideramos em termos qualitativos, a simples presença de Alice Júnior na competição do Festival de Brasília merece ser comemorada pela quebra de uma barreira quase imutável em torno do cinema de pretensões populares. O filme de Gil Baroni "ousa" querer comunicação direta e, audácia máxima, consegue.

Não o prejudicou o fato de seu longa inserir como protagonista uma atriz trans, e não apenas "uma atriz trans"; Anne Celestino é fundamental para o sucesso do longa de Baroni, pois consegue contribuir com toda sua vivência para um personagem que efetivamente tem muito a contribuir, e o faz com o máximo em carisma e disposição, com uma garra iniciante raramente vista. Baroni a coordena (e a todos os seus outros atores, na maioria adolescentes — ou interpretando-os) com igual vigor, o que também fala muito sobre seu trabalho ao lado da edição, a cargo de Pedro Giongo (diretor do desconcertante Tango), que dita um dinamismo que pouco se comunica com um "típico filme de Brasília" — aliás, o que seria isso? 

É muito saudável observar o furo da barreira a partir desse prisma de cinema subjugado do resto da produção nacional, onde um filme teen pop tende a ser inserido e consumido por um nicho do qual só faz parte quem ele reflete. Observar o Cine Brasília vibrar com o olhar desbravador de Alice para um mundo novo pra ela coloca o diretor num lugar singular, quando ele consegue traduzir tanto a normalidade da relação pai e filha, quanto um novo modelo de mundo para aquela menina que já estava num lugar privilegiado, de alguma forma; é como se Baroni, que a protegeu fora do plano e antes da narrativa começar, a apresentasse a partir do viés de retornar ao processo de aceitação do zero. E nisso Alice e seu filme se encontram no mesmo lugar.

Ao chegar num posto como o do maior festival de cinema brasileiro, é como se mais uma vez essa personagem e esse conceito de cinema precisassem de um novo aval para garantir sua perenidade. O cinema popular poucas vezes no Brasil pediu licença pra existir, porque ele vive da anuência do grande e muito mais democrático público, não da crítica, que tem sua própria régua de análise. Quando a curadoria entende que há uma barreira (ou inúmeras, no caso de Alice Júnior) que seriam quebradas com sua inclusão na competição principal, esse mérito também merece ser colocado na conta de Baroni, Anne e de toda a equipe, que fizeram um produto não apenas acessível, mas também charmoso, atraente, moderno e necessário. (E é lógico que essa é uma avaliação que deverá ser feita caso a caso em produtos populares; o que dá certo nesse filme pode não dar em inúmeros outros.)

O roteiro de Luiz Bertazzo ajuda essa história a se estabelecer de maneira criativa, embora não conte com os mais elaborados diálogos (e que fazem a diferença em uma comédia que se entende inteligente, como Alice Júnior), mas inserem os personagens num contexto reconhecível, mas ainda assim ansioso por ser descoberto. O processo maior é mesmo de Gil Baroni, que evolui de O Amor de Catarina para esse refrescante petardo pop político que, sem pedir qualquer licença, promove o encontro entre a transexualidade e uma fatia de mercado muito mais aberta ao diálogo que muitos da crítica dita especializada. Alice Júnior existe, diverte, emociona e está nos lugares de discussão cinematográfica mais exigentes, e por que não deveria? 

Crítica da cobertura do 52º Festival de Brasília

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