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Críticas

Cineplayers

O menino, o lobo e seus estereótipos.

4,0
O diretor Albert Hughes surgiu ao lado do irmão Allen há mais de 20 anos atrás, num longa que fez barulho na cena indie americana e só aportou aqui em VHS, Ambição em Alta Voltagem. Era uma promessa de realizador, com uma verve jovem e um olhar a um só tempo cru e fresco. O que se vê em Alfa é uma reprodução da trama de Dead Presidents (o título original de seu filme dos anos 90) atrás das câmeras; lá uma dupla cometia assaltos por falta de oportunidade, e agora Hughes reproduz essa sanha por dinheiro rápido e seguro, já que não tem mais qualquer oportunidade também.

Pegando carona no sucesso de O Regresso, o diretor escreveu um roteiro também centrado no processo de sobrevivência de um jovem caçador, imerso na natureza selvagem e refém dela, até esbarrar no líder de uma alcateia e formar com ele uma típica frase de cartaz de filme: "a história do primeiro melhor amigo do homem". Apartados de suas famílias, homem e lobo terão de descobrir semelhanças e se unir para vencer predadores e a força inclemente das estações do ano. Tudo isso acontecendo obviamente em cenário e época que remetem ao longa vencedor do Oscar de Alejandro Gonzáles Iñarritu, sem o que dava o diferencial àquele filme: seu poder imersivo.

O filme abre com uma caçada a uma manada de búfalos de CGI, talvez a pior cena do filme. Dali pra frente tudo melhora mas não a ponto de provocar um diferencial. Os efeitos especiais, os bichos produzidos por computador, criam uma sensação de segurança que é fatal para um projeto como esse. A cena inicial fraca acaba reaparecendo num flashback e a partir dela é criado o grande momento da produção, muito rápido para provocar um maior frisson. O filme simplesmente não explora seu potencial dramático ou tenso, ficando superficial também no campo emocional e evitando um envolvimento da plateia. A sensação de tempo perdido perpassa todo o projeto, que não tem nada de muito substancioso para apresentar, e que deixa uma impressão negativa em relação ao rumo que Hughes deu a sua própria carreira.

Alfa na verdade vende uma imagem despretensiosa para não ser acusado por sua irrelevância. Mesmo que o filme de Iñarritu nada tenha de irretocável, ao menos lá a experiência cinematográfica é traduzida em realização audiovisual de grande impacto. O que sobra aqui é uma quantidade sem fim de 'lens flares', voos de drones por sobre montanhas e planícies, e efeitos digitais para simular passagens de tempo e aumento de velocidade imagética sobre o campo. Tudo captado com cuidado e certo capricho, mas desprovido de maiores interesses por conta de sua esterilização e falta de empatia generalizada.

O filme tem poucos personagens e nenhum deles abre uma discussão válida. Na verdade, só pai e filho têm maiores destaques, com o grupo de coadjuvantes representados por estereótipos de figurino e maquiagem (os de 'caráter suspeito' usam maquiagem escura nos olhos e/ou têm corte de cabelo moicano; o mocinho parece um anjo em estilo medieval). Como o pai não dura em cena e apenas profere frases motivacionais sábias para lapidar o caráter do rebento, logo o jovem estará conversando com o lobo mesmo, colocando o bom ator Kodi Smit-McPhee em situações-clichê que só atrapalham o seu desempenho, em um projeto onde qualquer esforço foi desnecessário.

Pra finalizar o pacote, a diversão ainda é comprometida pela visão levemente deturpada que o filme cria a respeito de uma relação entre espécies, onde há um dominador disposto a se mostrar como tal ('eu mando aqui', diz o menino para o lobo, mesmo não tendo qualquer aptidão ou talento para outra coisa que não sobreviver a própria sorte) - e por fim obviamente o lobo deixará claro quem da dupla consegue sobreviver sozinho. O filme guarda um plot twist para os 5 minutos finais, provavelmente querendo chamar a atenção para um 'lugar de fala' completamente apagado no filme, como se todos naquele ambiente tivessem brotado das árvores para nascer. Apenas mais um grupo de incômodos de um filme que não consegue nem ser um passatempo agradável, mas que certamente encontrará um público disposto a 1h e meia de cérebro desligado.

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