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Críticas

Cineplayers

Clint Eastwood dá sua versão sobre o que pode haver além da vida.

7,0

2010 foi o ano dos filmes espíritas. Em terras brasileiras o fenômeno pode ser justificado pelo centenário de Chico Xavier, figura maior do kardecismo no Brasil. Mas quando você percebe que isso excedeu o cenário nacional e estará presente nos próximos filmes de Alejandro González Iñárritu, Biutiful (idem, 2010), com o personagem de Javier Bardem ligeiramente tocado pelo dom da mediunidade, e Clint Eastwood, o caso é de se pensar.

Segundo o próprio Clint a idéia deste filme nada tem a ver com os seus 80 anos recém completos. O medo da morte perde disparado para a curiosidade que se tem sobre o que ocorre depois da vida e esse é o problema que aflige George, o personagem de Matt Damon. Ex-vidente de sucesso, George pensa em seu dom de contato com os mortos como um fardo que o impede de conectar-se verdadeiramente a outra pessoa – principalmente às do sexo feminino. Acabrunhado, ele se isola numa existência comum para passar despercebido ainda que seu irmão Billy (Jay Mohr) não o deixe esquecer do quanto a sua vida poderia ser materialmente melhor se ele simplesmente aceitasse essa existência diferente.

Por outro lado, Marie (Cécile de France) vive uma experiência de quase morte durante um tsunami. A badalada cena merece uma digressão: a primeira vez de Clint pela seara do CG começa meio desacreditada, com  pessoas que parecem saídas de uma das versões de The Sims. O constrangimento porém dura pouco: quando o diretor concentra seu olhar sobre a tragédia pessoal de Marie, a sequência impressiona mesmo.

Num terceiro plano dramático, entram em cena os gêmeos ingleses Marcus  e Jason (vividos por Frankie e George McLaren) cuja história acompanhamos até o momento inevitável da separação. O plot point dos irmãos é previsível sim, mas a mão de Clint acaba suavizando o lugar-comum. Bacana na história dos gêmeos é a busca de Marcus por seu irmão através de várias possibilidades de contato com o pós-vida, esbarrando num charlatão após outro, explicitando um cetiscismo bem clintiano.

O encontro das três histórias é tão esperado que quando chega nos passa uma impressão de correria. Desenvolve-se tanto as linhas narrativas em separado que sua junção e principalmente seus desfechos acabam decepcionando.

O grande problema de Além da Vida é a temperatura. Com a chave virada no morno apenas as cenas pensadamente melodramáticas são capazes de arrancar alguma emoção. Não chega a ser mérito dizer isto, mas não fosse Eastwood o diretor, veríamos uma sucessão de erros grosseiros. Mas sua pegada forte segura a onda do filme e o encaminha para longe dos sentimentalismos religiosos.

Uma médica é chamada para endossar o livro que Marie pretende escrever sobre o episódio que mudou sua vida. O próprio George demonstra uma explicação pautada em um histórico científico para contar sua  trajetória com a mediunidade, e o roteiro não faz dele o dono da verdade. Todos estão perdidos atrás de respostas e algum consolo para o inexplicável.

Posto isto, resta dizer ao leitor que Clint Eastwood maneja o guidon do filme muito bem. A busca por outras possibilidades de entendimento sobre a espiritualidade ou sobre como lidar com o desconhecido nunca saiu realmente de moda. O tema talvez tenha enfraquecido devido a um alto grau de pieguice ou moralismo a ele associado. Nesse ponto Eastwood se sai bem, mesmo sem se deter num projeto ou numa resposta fechada para a questão. Quando George entra em contato com Marcus/Jason e o espírito lhe conta sobre a liberdade de ser qualquer coisa neste outro plano, Além da Vida encosta levemente na temática desenvolvida por Apichatpong Weerasethakul em Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas (Loong Boonmee Raleuk Chat, 2010), filme que arrebatou a crítica em Cannes por naturalizar a coexistência dos planos espiritual, humano e animal. Sem fixar nenhuma resposta, Clint e Apichatpong nos mantêm em suspensão mas nos pedem para acreditar que tudo é possível, desde que se saiba contar uma história.

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