Um filme grotesco, que pode ser recomendado pela tensão de seu ato final.
Violência no cinema já não choca mais tanto quanto antigamente. Por isso cada vez mais e mais filmes repletos de sangue e gratuidades no assunto chegam a um nível mais e mais escandaloso. Se na era do cinema preto-e-branco Hitchcock amedrontou platéias ao mostrar um pouco de sangue escorrendo juntamente com a água do chuveiro – e isso era realmente aterrorizante – hoje em dia no mínimo deve-se mostrar vísceras e olhos saltando do crânio para ter um efeito parecido. O Albergue vem na modinha de Jogos Mortais, que encantou e deixou platéias tensas com suas cenas macabras de sangue e violência. Aqui, não surpreendentemente, é tudo ainda mais gratuito – mas o filme vence em um importante ponto: consegue ser muito mais tenso.
Temos nesse filme uma variação bem mais grotesca do sub-gênero de terror “adolescentes descerebrados se dando mal”. Um grupinho de mochileiros atrás de sexo na Europa acaba indo parar em um pequeno país por indicação de um “amigo”. O que eles não sabiam é que estavam prestes a entrar em uma armadilha mortal, e seriam utilizados para satisfazer os desejos sanguinários de um grupo de riquinhos, cuja principal diversão é a tortura (por quaisquer instrumentos que se possa imaginar) seguida de morte, ao gosto do freguês. O filme não guarda purismos ao exibir sexo quase explícito e muito sangue – um nível tão grande ou maior do que do “concorrente” Jogos Mortais.
Ninguém precisa de um filme como esses. E também seria perigoso chamá-lo de diversão descompromissada. Puxa, será mesmo divertido ver alguém decepado ou tento os olhos arrancados em prol de diversão própria? No cinema, tudo é válido? São questões quase morais, que não cabe à crítica cinematográfica responder. A verdade é que o filme foi produzido para chocar, e ainda que não seja o trabalho mais violento já visto no cinema (há toda espécie de filmes underground muito piores) ele pode nos colocar dúvidas na cabeça em relação à direção que Hollywood está nos levando: esse filme foi altamente comercializado, e orgulhosamente estampou que era uma produção do famigerado diretor Quentin Tarantino. Será esse o padrão mínimo de violência em cinco anos ou menos?
As atrocidades exibidas durante o filme são sua principal moeda de venda, porém fiquei mais excitado com a tensão que o diretor Eli Roth proporcionou. A fuga de uma das vítimas do antro da morte, no ato final, é digna de um grande diretor. Há uma combinação de elementos que podem fazer o espectador ter as unhas acabadas (veja bem, não é “arrancadas” ou “mutiladas”) quando os créditos subirem na tela. Estranho notar que é nesse momento que inúmeros convencialismos hollywoodianos quase põem tudo a perder, com forçadas de barra e problemas de continuidade graves, mas que podem ser relevados pela tensão proporcionada pela seqüência. A trilha sonora caprichada ajuda nesse momento, acrescentando tensão e sabendo o momento que deve ficar em segundo plano.
A parte técnica mostra uma fotografia que ajudou muito a montar o clima de terror: o leste europeu já é nublado por si só, e a iluminação ainda conseguiu acrescentar um aspecto macabro aos sets de filmagem, podendo trazer uma sensação constante de desconforto ao espectador. As atuações dos jovens atores merecem ser citadas: ainda que não seja este um gênero do cinema para se mostrar um bom trabalho, não terem estragado tudo com exageros e caricaturas estereotipadas já faz delas um ponto positivo. Não há um super mocinho e, felizmente, ainda que sejam todos eles adolescentes retardados, conseguiu-se manter esse ponto em um nível que não os fizesse personagens detestáveis e merecedores da morte.
Há 10 anos eu diria que O Albergue é um filme para poucos; há cinco anos eu diria que é para quem tem estômago muito forte. Hoje em dia esse tipo de terror e o conteúdo mostrado ainda é bizarro o suficiente para não transformá-lo numa sessão para a família, pois ainda exige um estômago preparado. Mas posso recomendá-lo sem ressalvas para quem gosta do gênero. Se é um filme gratuito? Certamente que sim. Isso o transforma em um filme ruim? De forma alguma: a tensão apresentada, a fotografia nebulosa e as cenas “interessantes” transformam o filme em um acontecimento acima da média no gênero atual. O Albergue 2 já vai ser lançado ainda este ano, esperemos que não tome o rumo preguiçoso de Jogos Mortais 2, que apenas repetiu a mesma fórmula do primeiro filme, piorando-a.
A cena do maçarico é uma das mais fortes da atualidade. Vale à pena, mas fica muito enjoativo se assistido mais de uma vez.