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Aladdin

(Aladdin, 2019)
6,5
Média
125 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Um mundo quase ideal

6,5

A cada novo revisionismo dos clássicos Disney transformados em 'live action' (ou em algo parecido com isso, como no vindouro O Rei Leão), as mesmas questões virão à baila novamente a respeito da necessidade de tal nova versão, mas a essa altura todos já perceberam que o capital está falando por trás de cada novo longa metragem desse 'neo' filão já consagrado e que esse ano terá quatro novos exemplares. Como em Dumbo, um diretor de traços característicos foi chamado para a tarefa - Guy Ritchie é o nome da vez, que vem de uma maré nada boa em suas últimas incursões cinematográficas. Ainda assim, Guy embarca de cabeça no projeto e o toma pra si pro bem e pro mal, aproveitando dentro de sua própria experiência a explorar os pontos-chave que o unem a história de Aladdin. A entrega levou Guy a co-escrever o roteiro (ao lado de John August) e dar um acabamento completamente diferenciado à agilidade empregada no projeto, que causa fascínio e estranheza a um só tempo. 

O diretor criou um visual para as sequências iniciais de ação como se o filme estivesse numa rotação acelerada em certos enquadramentos e não no plano geral, construindo uma angustiante sensação clipada típica da década de onde a animação nasceu. O efeito é uma provocação aos sentidos do público, que é hipnotizado por um visual de delírio em meio a trilha sonora que embalam a fuga de Aladdin e Jasmine pelas ruas de Agrabah. Infelizmente o efeito não é constantemente utilizado, porque ele atraía uma pitada de psicodelia ao material final, e daria unidade ao todo. 

O projeto mantém a origem musical do original de 1992, trazendo da volta os sucessos conhecidos e ao menos duas novas canções, que servem para ampliar o escopo do original - esse é um ponto positivo da produção. O mundo mudou nos últimos 25 anos, e a versão em carne e osso seguiu na aurora das mudanças, re-observando seus personagens sob prismas particulares e adequados, privilegindo principalmente a princesa Jasmine. Embora nunca tenha sido uma personagem estereotipada negativamente com os traços passivos de princesas antigas do estúdio do Mickey, Jasmine dessa vez é protagonista de sua própria história, tem voz ativa e atitudes anda mais reativas, sem forçar a narrativa. A repaginada filha do sultão tem consciência de que, sozinha, pode fazer a diferença em Agrabah, criando uma discussão sutil sobre feminismo na pauta do filme e angariando atualidade e pertinência sem perder resultado. A atriz Naomi Scott contribui com delicada assertividade a um personagem rejuvenescido. 

Essa mesma ambição progressista limpou Jafar, tirando do vilão o toque afeminado que era quase uma recorrência Disney em seus produtos da época. Se fizeram bem em dissociar traços de homossexualidade a um personagem negativado, o igualmente repaginado Jafar sofreu o reverso da mocinha, abrandado em tantas instâncias até quase perder sua própria identidade: Jafar também perdeu imponência, idade (o ator Marwan Kenzari tem apenas 36; alguém imaginava o personagem com idade tão aproximada ao protagonista?), vilania, e quase personalidade. O Jafar de 2019 é um vilão qualquer, desprovido de seu DNA quase por completo e feito comum. Não tem absolutamente nada a ver com o desempenho de Kenzari, que se esforça numa construção tão distante do original que até rebatizado poderia ter sido.

Há também a não ultrapassada barreira da conjugação de gêneros dentro do resultado do final. Aladdin é comédia, é musical, é aventura, é romance, aglutinando poucas vezes seus valores. O romance do casal tem ternura, as cenas mais movimentadas são muito atléticas e convincentes, a seara musical é muito natural e a comédia do filme é quase sempre imprevisível, realmente divertida, vem em espasmos e demora a ir embora, características difíceis de manter mesmo em grandes produções. O que não tem é organicidade, com esses temas parecendo caminhar em blocos e raras vezes em uníssono. Se na animação dirigida por Ron Clements e John Musker havia uma harmonia na orquestra formada pela narrativa, é como se na nova produção existissem solos de instrumentos em separado que se encontram vez por outra. Quando isso acontece, o filme alça voo... infelizmente não é constante.

Ao pensar artisticamente no entanto, o filme é um espetáculo visual, graças à união de coreógrafos, direção de arte (a cargo de Gemma Jackson), acrobatas, dançarinos, figurinos (um exagerado acerto de Michael Wilkinson) e a um elenco muito adequado, que literalmente come na mão de Will Smith. Não seria fácil substituir o trabalho primoroso de Robin Williams originalmente, mas Smith assume o Gênio pra si e comanda o show e assim que entra em cena, rouba o filme pra si e faz de suas aparições (ainda bem que são muitas) as melhores cenas do filme, mais notadamente quando ele entoa A Friend Like Me e na concretização do primeiro desejo realizado de Aladdin, cenas que graças ao ator conseguem trazer toda a exuberância e positividade que tivemos na infância, no contato com esses personagens. Se Guy Ritchie realiza um trabalho com altos e baixos, o ator nunca oscila e promove a diversão, a emoção e a gargalhada que o público queria ao reencontrar o gênio azul, seu amo ladrão e as noites das Arábias. 

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