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Críticas

Cineplayers

É interessante a proposta de um "filme de tribunal" que não tenha o foco no clímax do resultado da decisão do júri, ou seja, a dicotomia entre inocente e culpado.

8,0

Agonia de Amor está na pequena lista de filmes de Hitchcock que não entraram para a história do cinema. À exceção dos fãs mais dedicados do diretor, poucas pessoas conhecem esse drama de tribunal, cuja tradução literal seria O Caso Paradine.

Pois o caso em questão é logo apresentado: uma bela dama, a sra. Paradine, está presa sob a acusação de matar seu marido, um homem mais velho e cego. Seu advogado de defesa será Anthony Keane, profissional de reputação ilibada e marido exemplar, que mantém um relacionamento de treze anos com a esposa Gay (sim, naquela época, essa palavra ainda não tinha o significado que tem hoje).

Um dos pontos altos do filme é a atriz italiana Alida Valli, que interpreta a sra. Paradine. Mais do que a atuação, sua presença em cena é memorável. Sempre com expressão de superioridade, ela compõe uma mulher forte e disposta a enfrentar o que for sem fazer concessões. No entanto, os olhos trazem sempre uma fragilidade que contrasta com a figura aparentemente inabalável.

Essa magnitude da atriz foi explorada à exaustão todas as vezes que aparecia em cena. São inúmeros os planos fechados em seu rosto (que recebe toda a iluminação, deixando o fundo escuro), que se mostra quase indiferente, inacessível. Essa perfeita composição visual da personagem é fundamental para que fique crível uma das bases da trama: todos os homens se apaixonam pela sra. Paradine. Isso inclui um respeitável advogado inglês, um tipo todo certinho que é a cara de Gregory Peck. Com isso, o diretor consegue colocar a tensão do protagonista em dois eixos: um entre o amor proibido pela suposta assassina e o casamento; outro entre a culpa e a inocência da sra. Paradine.

O sentimento pelo qual ele passa é traduzido pelo título em português: agonia de amor. Essa agonia é muito bem transmitida e conduz a primeira metade do enredo, mais focada nos dramas dos personagens. Na segunda parte, ganham espaço as cenas no tribunal, e o caso em si é o centro das atenções. No entanto, as pessoas jamais são colocadas de lado, o que faz com que haja mais profundidade, ao contrário de um mero suspense entre inocente/culpada.

É interessante a proposta de uma produção indiscutivelmente inserida no subgênero “filme de tribunal” que não tenha o foco no clímax do resultado da decisão do júri, ou seja, a dicotomia entre inocente e culpado. O olhar atento de Hitchcock sabia que isso jamais poderia ser deixado de lado, mas era preciso haver mais para tornar o filme mais intenso.

Pois é a agonia do advogado que consegue ser o “algo mais” encontrado pelo diretor. Embora a forma do dilema do marido esteja um tanto envelhecida – afinal, costumes mudaram, e muito! – o cerne é um conflito universal, tão eterno quanto for a existência de homens, mulheres e do casamento. A tentação representada pela sra. Paradine é o conflito entre a segurança e a aventura, entre o conhecido e o fantasiado, entre a esposa e a puta. Flertando com esses estereótipos, Hitchcock consegue envolver o público com o imenso problema diante do qual Anthony Keane se encontra. E o resultado é ironicamente trágico: depois de conhecer a aventura, a segurança não tem mais o mesmo sabor. Então, o que sobra é dor, tristeza e, sobretudo, agonia.

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