Uma das facetas mais interessantes do cinema é quando ele nos surpreende ou quando pérolas surgem dos lugares mais improváveis. “O novo filme de ação de Jason Statham”, assim, acabou se tornando uma das maiores surpresas do estilo humor negro, que remete ao tempo de quando Tarantino apareceu para o mundo em Cães de Aluguel. Os diretores estreantes Mark Neveldine e Brian Taylor certamente merecem ter seus nomes destacados – e muito bem destacados. Foram eles que, a partir do roteiro aparentemente medíocre que eles mesmos escreveram, criaram uma das películas mais inovadoras do cinema popular dos últimos anos.

No início, tudo parece uma grande confusão em tela. Câmera subjetiva de mal gosto; cortes esquisitos e até mesmo horrivelmente mal executados; trama de filme pornográfico de segunda linha; interpretações canastronas; efeitos especiais de fundo de quintal; ritmo irregular. Os primeiros minutos de Crank são simplesmente deploráveis. É aí que o humor negro começa a entrar em cena: braços decepados, injeções na nuca; uma perseguição de automóveis quase antológica dentro de um shopping; inocentes sendo atropelados; sexo em público. Aos poucos tudo isso vai se encaixando, o estilo do filme vai ficando mais claro e, quanto mais o nível é baixado, melhor e mais extasiante tudo se transforma.

É um daqueles raros casos em que um filme é tão ruim, mas tão ruim que acaba se tornando bom, volta a ser ruim e finalmente termina sendo uma quase obra-prima. Poucos filmes recentes me tiraram risadas tão fáceis e honestas quanto este aqui. Em determinada cena a seqüência de eventos torna-se tão desenfreada (justificando perfeitamente o título do filme), sem sentido e improvável que creio que o ápice do quanto o humor pode chegar deve ter estado muito perto de ter sido atingido, considerando que nenhum filme até hoje o atingiu, pois isso é uma característica totalmente pessoal e não há no mundo humor que vá agradar a todos.

Uma atitude extremamente feliz dos diretores foi a escolha de Jason Statham, perfeito, para o papel. Um dos grandes nomes da ação da atualidade, o papel combina perfeitamente com a sua carreira. Para quem é seu fã, é um prato cheio, sendo a única ressalva o fato dele não lutar muito durante todo o filme. O humor irônico do ator inglês caiu perfeitamente bem para Chev, sempre deliciosamente sarcástico em cena e seguro de suas ações, por mais absurdas que elas sejam. Aliás, outra característica vibrante e acertada foi o fato do filme dosar perfeitamente seriedade com humor, ou seja, se o filme se levasse à sério demais, seria apenas “mais um” na lista de thrillers de ação já lançados recentemente (e seria um dos piores, justificando o termo “trama de filme pornográfico”). Além disso, entre os momentos vibrantes há pequenas pausas para desenvolver mais a história e, embora ela seja totalmente banal, consegue sempre ter uma nova surpresa que adiciona um nível a mais de tensão à epopéia de Chev para salvar a sua vida. Amy Smart como a sexy e burra Eve também cria uma personagem que deixará o público masculino “eriçado”.

A bem da verdade é que o tempo todo o filme está no limite do ridículo. Será muito fácil encontrar pessoas que simplesmente banalizarão e desprezarão totalmente as suas intenções, e isso pode ser facilmente entendido. Os diretores visivelmente não possuem apuro técnico algum, bem pelo contrário, em certos momentos o filme parece uma experiência de um curso de cinema para a faculdade. Porém, para mim, isso serve como um ponto extremamente positivo: demonstrando não ter medo de errarem, aquelas cenas que citei lá em cima são realmente anárquicas. Em praticamente todas elas, o ritmo dos acontecimentos e o timing do humor ficou perfeito. E isso é algo extremamente complicado de se conseguir.

A citação a Cães de Aluguel que fiz anteriormente é válida e embora Adrenalina seja menos sério e muito mais mal dirigido, não necessariamente é um filme inferior. Sendo filmado por diretores estreantes e acertando em cenas improváveis, eles conseguiram criar algo de novo em um gênero já totalmente abarrotado de bobagens. Certamente não marcará época como Tarantino o fez, pois o filme não tem força suficiente para isso e foi lançado muito timidamente nos cinemas. Além disso, boa parte dos críticos simplesmente preferiu ignorar seu estilo e o considerou uma bobagem, após uma análise superficial e mal-humorada, mas uma legião de admiradores já existe (entre eles, eu) e ela continuará crescendo quando ele chegar às locadoras. Merecido, pois dentro de suas intenções, ele é praticamente perfeito.

10 palavras que definem Adrenalina: ágil, tenso, amador, ousado, sexy, improvável, Jason, Statham, Amy, Smart.