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Críticas

Cineplayers

Apesar de não ser um bom filme, Across the Universe é um gostoso musical ao som dos Beatles.

7,0

Across the Universe parte de uma idéia irresistível, de contar duas histórias – uma, de amor, e outra, de uma geração, a dos loucos anos 60 – por meio das músicas dos Beatles, mas termina num filme longo e cheio de falhas, com uma edição assassina, briga da diretora com o estúdio, críticas negativas e pouca repercussão de público. Trata-se de uma obra fascinante com grandes momentos, não necessariamente um bom filme.

Começa bem em Liverpool, ao som de Girl, de John Lennon e Paul McCartney, quando um trabalhador nas docas (com o sugestivo nome de Jude) decide pegar o navio e procurar o pai, que trabalha na universidade de Princeton, nos EUA. Lá ele conhece Lucy, um loirinha de classe média que é o protótipo dos baby boomers, da qual a diretora do filme, Julie Taymor, hoje com seus 50 e tantos anos, faz parte, assim como os roteiristas, Dick Clement e Ian La Frenais (The Commitments – Loucos pela Fama).

Os números musicais do início proseguem magníficos e tem-se a impressão de que o filme caminha para ser uma obra-prima. A apresentação das personagens é perfeita e, já em Nova York há encenações ilustrando o movimento negro tacando fogo (literalmente) na cidade, o movimento gay começando a sair do armário (uma cheerleader lésbica descendente de asiáticos cantando I Wanna Hold Your Hand referindo-se a gostosona do pedaço) e as marchas contra a Guerra do Vietnã reunindo todos nas ruas: a música Let it Be ganha contornos inesquecíveis.

Entretanto, aos poucos a política assume prioridade no filme, em detrimento ao sexo, drogas e rock’n’roll. Começa o naufrágio de Across the Universe. Afunda (com classe) em parte por conta do proselitismo da diretora, mas o próprio tempo é a principal causa. Afinal, fumar maconha nos anos 60 era totalmente diferente de fumá-la hoje. A rebeldia não tem mais o mesmo significado e parece não ter lugar hoje, no nosso mundo pragmático e sem grandes paixões ideológicas: até o mais ferrenho conservador, militarista e reacionário cidadão de direita é perfeitamente capaz de escutar Beatles sem nem sem dar bola para a mensagem das letras.

Ou seja, as canções dos Beatles já foram absorvidas pela indústria cultural e transformadas em tantas coisas, assumindo novos significados. A diretora sabia disso e resolveu fazer um híbrido, jogando com os dois universos, o da utopia da esquerda americana dos anos 60 com o musical americano (que ela tão bem fez na Broadway, em especial a milionária e multipremiada versão de O Rei Leão, elogiadíssima e de imensa bilheteria). O resultado nunca convence, nunca se realiza, o filme se perde nessa pretensão.

Mas Julie Taymor teve a coragem de regravar as 33 músicas usadas no filme (duas sem letras), de forma que os atores as cantam em arranjos apropriados para o contexto. É um dos triunfos do filme, pois as músicas originais jamais funcionariam (Cazuza - O Tempo Não Pára não deu certo, entre outros fatores, pela falta de coragem dos diretores em regravar as músicas, feitas em outro contexto). A mudança ficou a cargo do marido da diretora, Elliot Goldenthal, que ganhou um Oscar pela trilha de Frida, ótimo filme da mesma diretora subvalorizado no Brasil.

Quase no fim do filme há outro destaque, quando toca Strawberry Fields Forever, Jude cria o cartaz de uma gravadora e o número musical, psicodélico, com morangos alucinógenos caindo como bombas no Vietnã enquanto os soldados, de cueca, carregam uma imensa Estátua da Liberdade com grande dificuldade, finalizando com a imagem, para sempre retida na memória de quem a viu, da adolescente nua fugindo de uma bomba de Napalm – a menina surge aqui vagando sobre as águas dançando butoh. Belíssimo.

Across the Universe conta com artistas de renome da Broadway no departamento de arte e coreografia, todos muito bem manejados por Taymor – o Tio Sam animado, ao som de I Want You (She’s So Heavy), é apenas uma das várias sacadas geniais. Ela sabe o que faz. Sua verborragia, além da nostalgia de sua era revolucionária, é que atrapalharam o filme, com excesso de boas intenções. Julie Taymor não se excusa de fazer política descarada. Ela não toma distância de seu objeto. Transforma Bono Vox no guru do ácido, pessoas começam a voar, o sexo é livre, os hippies entram na parada, os anos 60 foram perfeitos.

Evidentemente, há ecos sobre a Guerra do Iraque atual e da pasmaceira do público com a política.  A imaginação da diretora e sua capacidade criativa intoxicam de tanta emoção, mas há um descompasso entre o tema e o filme, que termina mal editado, por conta dos cortes exigidos pelo estúdio – a diretora disse que a versão em DVD terá tudo e será melhor.

Comentários (4)

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 13 de Setembro de 2012 - 09:21

Exato tudo que pensei.
Os números são bons demais,mas o filme não é.
E encher com política matou o filme.

Raquel de Souza Cardoso | sexta-feira, 14 de Setembro de 2012 - 12:48

O que matou o filme,como o Demetrius acertadamente observou, foi ter ido pro lado político descarado! Se fosse apenas mencionado seria uma obra prima!!!!!

Davi de Almeida Rezende | domingo, 16 de Outubro de 2016 - 03:08

"Apesar de não ser um bom filme, Across the Universe é um gostoso musical ao som dos Beatles."

"Trata-se de uma obra fascinante com grandes momentos, não necessariamente um bom filme."

Meu, decida-se! Musical é um gênero, não um adjetivo. Se o filme é fascinante e você deu nota 7, então teoricamente você achou o filme bom!

Ou admita que o filme é chato pra caralho! É isso que dá o conflito entre ideologia e razão.

Assista filmes sem ideologias na cabeça.

Robson Oliveira | domingo, 03 de Fevereiro de 2019 - 13:19

Gostei do filme, musical encaixou bacana com as situações propostas.

The BEATLES! \m/

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