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Críticas

Cineplayers

A terceira idade salvadora.

5,0
O Reino Unido se tornou um profundo 'produtor do mesmo filme' por anos a fio. Produções manufaturadas iguais, existe uma verdadeira indústria de produzir clones na cinematografia daquele grupo de países. Entendam: não estou dizendo que tudo que é produzido por lá se parece. Pobres Mike Leigh, Steve McQueen, Andrea Arnold... mas existem sim alguns filmes que correm em bloco e que não possuem qualquer interesse em provocar diferenciação artística ou temática, mas acabam conseguindo abocanhar fatias consideráveis de público, e a imprensa ressente de reproduzir informação relevante diante de filmes que não se movem pra produzir qualquer coisa que não seja reciclagem. De emoções, de lágrimas, de risos, até de elenco e muitas vezes de produtores e diretores; uma massa de pão sem qualquer coisa de especial.

Uma das vertentes mais reprisadas há anos é a dos "velhinhos fazem", um grupo de filmes que só cresce a cada ano, onde a história praticamente se resume a uma frase, colocando o centro das atenções em personagens e questões da terceira idade, confrontadas com atividades geralmente inusitadas. Concentrando elencos consagrados de veteranos extraordinários em situações-limite, esses filmes conquistaram o mundo e fizeram fortunas. Daí tivemos "os velhinhos ganhando na loteria" (A Fortuna de Ned), "a velhinha plantando maconha" (O Barato de Grace), "os velhinhos viajando pra Índia" (O Exótico Hotel Marigold), e até tivemos "as velhinhas posando nuas" (As Garotas do Calendário). São fórmulas fáceis e repetitivas, sem qualquer capricho ou diferenciação artística (pensando aqui, será que foram os americanos que inauguraram isso nos anos 80, com "os velhinhos descobrem alienígenas" - Cocoon?)

Pois bem, acho que eles chegaram no cúmulo da falta de imaginação com esse novo exemplar, "os velhinhos... dançam". Ora bolas, a dança há muito que faz parte de atividades da terceira idade, com inúmeros benefícios mais que comprovados; portanto, não tem nada demais nem na premissa dessa vez. Richard Loncraine é um operário dos mais padrões da indústria britânica, cujo momento único de brilho já vão pra mais de 20 anos (o Ricardo III estrelado por Ian McKellen) e que até um filme de ação ultra comportado e burocrático fez, estrelado por Harrison Ford, Firewall. Com uma ideia banal e um diretor que raramente fez algo atrás das câmeras, o que esperar desse novo Acertando o Passo? O jeito é abraçar os clichês e se render ao estonteante trio protagonista - Imelda Staunton, Celia Imrie e Timothy Spall. Esses longas dessa seara costumam de fato contar com verdadeiros tesouros nacionais da atuação, e aqui não é diferente. Essa tríade consegue nos levar até o final da projeção, dando dignidade a todo o esquematismo e falta de novidade.

O filme ainda padece de um roteiro não apenas atolado por todos os clichês do mundo, como também de construção desastrada e diálogos especialmente ruins. A primeira meia hora do filme, quando a história se arma e a personagem de Imelda Staunton descobre que é traída pelo marido, o abandona e se muda para a casa da irmã que não vê há 10 anos vivida, por Celia Imrie, é um amontoado de frases de para-choque de caminhão, auto-ajuda das mais rasteiras e toda uma construção de personagens das mais rasas, com heróis ilibados, vilões malvados e uma figura central que obviamente irá de um lugar a outro, sem qualquer sutileza ou nuance. Com certeza é um filme que terá admiradores como todos os citados no texto o tem, mas não apenas aqui é um lugar da preguiça como o simples proposto ainda assim é mal feito, construído com extrema pobreza e com as raízes fáceis e absurdas na pieguice.

Sobram Imelda, Celia e Timothy, que elevam o produto e sozinho com seus rostos, com seu 'body of work', com sua sensibilidade, imenso talento e experiência infinita eles conseguem driblar as tantas armadilhas do texto e da ausência de profundidade para além do lugar comum presente nessa safra de produtos. São eles, portanto, que conseguem sair aos poucos dos escombros em que foram soterrados para conquistar o espectador com olhares ternos, com compreensão humana, com uma criação de seres tridimensionais saídos de um material tão quadrado. Aos poucos o próprio filme se dobra a eles e aceita a supremacia de seu minimalismo, de seus gestos e de sua grandeza de espírito, que transforma o ferro velho onde estão inseridos em pedra preciosa.

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