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Críticas

Cineplayers

Vidas enclausuradas no interior de um Scania vermelho: o peso da carga que se carrega ao atravessar fronteiras.

7,5

Eis um exemplar recente de cinema que acredita no mínimo. Uma reflexão sobre o curso da vida, o peso do passado, as relações familiares, o conflito, a situação política da América Latina em poucos diálogos, quase inexistentes – a oralidade, um pormenor. Mas seria, ao mesmo tempo, um acerto e um equívoco dizer que As Acácias (Las Acácias, 2011), filme argentino ganhador do prêmio “Câmera de Ouro” no Festival de Cinema de Cannes deste ano, é um longa-metragem que conta sua história simplesmente com um discurso de imagens.

Predominantemente gravado em digital dentro da cabine de um caminhão vermelho que cruza a fronteira entre Paraguai e Argentina, a travessia do caminhoneiro sisudo Rubén (Germán de Silva), que, atendendo a uma ordem superior, transporta de carona Jacinta (Hebe Duarte) e sua filha Anahí (Nayra Cale Mamami), criança de colo, será transposta por meio da síntese, utilizando sumariamente recortes de feições e sutilezas destes personagens no interior do veículo, estes os quais cabem o papel de construção da narrativa – mas o significado será advindo justamente da repetição, e da longa duração dos planos – poeticamente algo muito interessante, mas que pode ser entediante aos desabituados.

Tão personagens quanto os atores são os enormes espelhos retrovisores do Scania: sempre em destaque, em foco, exibem constantemente um caminho passado, tal como se a informação do que já se foi se constituísse num dado indelével. Mas jamais o diretor Pablo Giorgelli recorrerá a psicologizações, flashbacks, justificativas, facilitadores de entendimento, tão típicos do cinema norte-americano e, em certa medida, da detestável pedagogia do cinema brasileiro da retomada – o peso do passado, do que se situa anteriormente, fica implícito na amargura das atitudes e nas feições dos protagonistas.

As Acácias começa de forma poética: o sol, raios de luz ofuscados pelas folhagens de uma mata de longas árvores (presume-se aí a origem do título), uma natureza imaculada que perde sua estabilidade, brutalmente interrompida pelo ronco da motosserra, e o tronco que se derruba, que desprende-se de sua origem. Esta madeira será a carga a ser transportada no caminhão. Nada mais simbólico. A mãe, com sua criança dita sem pai, deixa seu país em busca de melhores oportunidades em Buenos Aires. O motorista, um outsider, um pária sem família e sem rumo, uma espécie de cowboy latino solitário, vai encontrar uma forma de humanização no contato com o outro. Estão todos à deriva no continente. Há a possibilidade de se sentir situado na América do Sul?

A família que sai do Paraguai e parte para a Argentina tem sua analogia com o presente: conhecido por ter sido o primeiro presidente de esquerda eleito, em 2008, o ex-bispo Fernando Lugo representava a possibilidade da estrutura fundiária do país ser desarticulada – coincidência ou não, foi destituído de seu cargo em 22 de Junho, após decreto de impeachment aprovado pelo senado em pouco mais de 24 horas. O país acabou expulso do frágil Mercosul, e, sem o menor pudor, houve o não-reconhecimento do novo líder, Federico Franco, pelos países membros do bloco. Questões sociopolíticas vêm à tona na medida em que visualizamos na projeção o drama de uma mulher paraguaia e sua criança desprotegida, procurando algum tipo de amparo em um desconhecido, em uma nova pátria. Diálogos entre a natureza humana e um cenário geopolítico de urgência contemporânea. Um não existiria sem o outro.

A travessia, novamente, é a busca, a redenção, a mesma história recontada há milênios. Há muitos elementos típicos de todo filme de road movie: a ausência do pai, a ideia de fluxo, a odisseia. Partir e retornar, reencontrar a si. Mas a forma dramaturgica aqui está muito mais para Abbas Kiarostami do que para Wim Wenders. Encanta como o cinema pode recorrer ao gênero, ao melodrama, e falar tanto somente com sua unidade mínima, o plano.

Comentários (1)

Fernando Kraschinski Gonçalves | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012 - 16:56

Um filme grandioso, assisti no Festival de Cinema de Curitiba, estava esperando que ele fosse cadastrado, simples e bonito, faz muito com pouco, e tem ótimas atuações.

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