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Críticas

Cineplayers

Subversão de valores.

8,5

Aquele que vive do resto dos animais mortos, o abutre tem nome:  Louis Bloom. Se por um lado o personagem é a representação de um sociopata, é também a imagem de uma sociedade profundamente doente, cujos valores cada vez mais abandonam a vida como o principal bem para dar lugar ao individualismo em uma competição doentia por sucesso, reconhecimento e títulos. Aqui, Bloom é um câmera freelancer que passa a madrugada captando imagens de acidentes e crimes para os telejornais.

O pano de fundo para o estudo de muitas camadas proporcionadas em O Abutre é a espetacularização da mídia que, em busca de audiência – e dinheiro, sempre à frente da vida -, subverte o conceito de interesse público e cria narrativas sensacionalistas, sem pudores e compromisso com a verdade dos fatos para satisfazer uma sociedade que não sabe mais como se comportar como tal.

O dinheiro e o sucesso, profissional e pessoal, são os motores de uma coletividade que, contraditoriamente, adota valores individualistas em busca de estar no topo. É o “eu” acima de qualquer moral ou ética. Bloom é isso. Obcecado, buscará atingir seus objetivos a qualquer preço, numa racionalização que coloca o ser humano em segundo plano, como objetos a serem usados sem nenhuma demonstração de compaixão ou sentimento.

Ele é o fruto de um isolamento social de uma Era Digital em que o conhecimento pode ser adquirido online e a vida vivida atrás de telas. É a indiferença que se manifesta quando sente que ele, por si só, basta. É a dificuldade de interagir socialmente, tornando a convivência humana um mero jogo de interesses para alcançar os objetivos que sempre, e cada vez mais, o isolam do todo, mas resultam em protagonismo. Essa quebra de vínculos sociais aliada a Era Digital cria um ser inábil socialmente, que só consegue viver por meio, ou atrás, de imagens.

E a sociedade habitua-se, pautada pela mídia ao mesmo tempo em que a pauta via audiência, a aceitar a vida como um bem dispensável, desde que a possibilidade de perdê-la não bata à porta. A vida, assim, tem pesos diferentes. E o Abutre denuncia, por meio do jornalismo mundo cão, uma sociedade profundamente desumana. Se o que se fala são de pobres, negros ou de pessoas na base da pirâmide social, a vida é descartável e seus problemas e tragédias não interessam. Mas, se ao contrário, for de uma família branca sinônimo de sucesso, o alerta é ligado. E a mídia, em busca de dinheiro, alimenta o pânico.

É a Era do espetáculo, quando o que vale é a simulação do real, como o cenário do estúdio de tevê, que reproduz a cidade com perfeição a ponto de fazer Bloom comentar que aquilo, pela tela, parece real. E a essência do mundo moderno é essa: parecer, e não ser. Assim, quebra-se o limite entre verdade e ficção, aceita-se a manipulação desde que sirva ao objetivo maior, fazer parecer aquilo que não é para tornar o fato mais atraente, mais comercial, mais vendável. É a vida como mercadoria e o sucesso individual como valor supremo.

É assim que o Abutre se utiliza de sua camada mais visível, a crítica à mídia, para tecer por meio de seu subtexto uma forte crítica também à lógica capitalista, que produz ilusões e individualidade em busca do sonho de estar no topo da pirâmide social – lugar em que não cabem todos, mas novamente, o que vale é parecer. Bloom, como o retrato perfeito do capitalismo predatório, aquele que coloca a vida em segundo plano, não poderia ser outra coisa que não uma pessoa que faz mal e se mostra errado, mas que desenvolve uma narrativa hábil para convencer as pessoas a ser parte daquilo, assistindo e se adaptando as suas distorções.

Cada vez mais tenso em sua narrativa, O Abutre está sempre em ascensão. Começa cuidadosamente desenvolvendo o fascinante personagem principal, interpretado com maestria por Jake Gyllenhaal, e segue abrindo seu leque de significados para denunciar que há algo de muito errado com as sociedades atuais e com essa espécie de fetichismo sádico. No seu crescimento paulatino, o Abutre tem a inteligência de terminar no ápice.

Comentários (4)

Jéferson Vivas Aragão | domingo, 28 de Dezembro de 2014 - 02:04

Quero muito ver o filme, a crítica do Emílio só aumentou minha vontade. Pelo comentário do Rodrigo na lupa, eu pensei que ele daria uma nota maior haha.

Rodrigo Cunha | segunda-feira, 29 de Dezembro de 2014 - 10:11

Em que ponto você acha que o filme de cola? Pra mim as coisas só acontecem, tudo favorece ele... Não gosto tánto quando é assim.

Daniel Borges | domingo, 04 de Janeiro de 2015 - 23:10

Crítica espetacular, tal como o filme.

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