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Críticas

Cineplayers

Sessão temática

2,0

O cinema pode encampar discursos, temas, propostas de discussão, recortes sociais que explicitem um momento político ou comportamental, mais ou menos panfletário, nenhuma dessas escolhas a priori definem qualidade ou relevância, apenas se enquadrem em uma seara previamente segura e/ou incisiva; o resultado das incursões de um cinema, digamos, socialmente engajado dependerá da mesma combinação de fatores que define o sucesso e o fracasso de qualquer filme: talento e subjetividade, um diretamente influenciando no outro. A realização de um produto audiovisual de caráter assumidamente político e com escolhas humanistas não fazem obrigatoriamente de 'Abraço' um resultado positivo, muito menos no polo diametralmente oposto, o negativo. Ao contrário do que certas parcelas da crítica tem sugerido, não é factualmente ruim ter posição. Mas a mesma não te protege de nada.

A estreia na direção de DF Fiuza tem elementos humanos apresentados que facilmente o encaminhariam para um lugar confortável no ponto de vista emocional, além de contar com uma matéria-prima verídica capaz de proporcionar um interessante a partir de um momento específico em um passado recente, quando há 10 anos a classe dos magistrados de Sergipe esteve em via de perder ganhos trabalhistas estabelecidos em lei, iniciando uma série de protestos e atos grevistas na busca de uma revisão do governo quanto a sua tentativa de mudança. Apesar dos elementos terem substância suficiente para um bom resultado, a falta de experiência de Fiuza compromete todo o longa, onde gradativamente seus elementos em separado demonstram a inaptidão do jovem cineasta nessa primeira incursão.

Falta acima de tudo ao longa uma espécie de veracidade cênica, que desse uma organização a condução do mesmo. O conjunto de cenas realizadas parecem simplesmente não se conectar organicamente, deixando claro como é longo o tempo do silêncio no cinema. São longos segundos de inexistente ação, diálogos em suspenso, com uma montagem pouco eficaz em enxugar essas arestas que se acumulam a cada bloco de sequência. Com isso, o filme perde em naturalidade a todo momento, em trabalho que não entrega o que seria o mais simples possível em matéria de edição. Como essa questão não é resolvida ao longo da projeção, todas as intenções são desperdiçadas no meio do produto final. Ainda que eventualmente alguma ou outra cena pareçam ter algum vigor, o quadro geral resulta em com frequência em certos constrangimentos, aliados a cenas incompreensíveis (como a do programa televisivo com a quebra da quarta parede, que não se comunica com qualquer outro elemento da produção).

O elenco que mistura atores profissionais a professores reais não tem um trabalho homogêneo apresentado, em direção de atores que depende mais da singeleza de alguns de seus elementos do que um trabalho conjunto de qualidade. No centro da ação, estão Flavio Bauraqui e Giuliana Maria, que conduzem o resto das atuações com a segurança possível. Bauraqui tem a favor de si seus mais de 20 anos de carreira, que o colocam mais destacado em algumas cenas, em especial a de seu depoimento na reta final, provavelmente a grande cena do filme. Já Giuliana consegue transparecer o cansaço uniforme de sua personagem, que passa um por um momento de tormenta, onde até seu casamento está em ruínas. O restante do elenco está a mercê de marcações de cena estranhas, diálogos explicativos e empolados, e toda sorte de expressões faciais mais antinaturalistas possíveis, criando em meio ao drama dos fatos uma possibilidade de rir constrangido do todo àquela volta.

A utilização exagerada da trilha de André Abujamra, estridente e intrusa, tira outro elemento que poderia ser delicado do projeto e insere uma projeção épica dos fatos, completamente desconectado de uma ideia humanista-social. Além disso, o uso da música de Geraldo Vandré Pra Não Dizer que Não Falei das Flores é não apenas clichê com o tema e com a proposta momentânea, como arrasta o longa para o lugar do panfleto mais histérico, num conjunto de decisões tomadas que só tiram gradativamente toda a potencialidade que sua premissa tinha, e deixando a estreia de Fiuza cada vez mais distante do lugar onde poderia estar. 

Filme visto no Cine PE 2019

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