Felizmente, filme não é gelado como o seu título brasileiro
Confesso que o prognóstico para uma obra como Abaixo de Zero é dos piores: tem todo aquele tom genérico de filme de Video On Demand, produzido para preencher catálogo, e com um roteiro esquemático que serve para distrair os espectadores enquanto estes acompanham o desenrolar de uma história previsível e fácil de mastigar, ao mesmo tempo que scrollam a rede social em seus smart phones. [Uma pausa aqui: se fosse ler um prognóstico como esse 20 anos atrás, não entenderia nada ou acharia que o redator estivesse caduco.]
Bem, no final das contas, é mais do que isso…
O ator espanhol Javier Gutiérrez já é super popular entre os espectadores da plataforma Netflix, ele está em filmes como A Casa, Durante a Tormenta e O Autor. E sua presença conhecida vai dando força e integridade a uma história que começa bem fraca – de fato, coincidindo com o prognóstico. Mas o diretor e roteirista Lluís Quílez não escorrega e vai adicionando elementos que enriquecem a narrativa. Vai dando profundidade ao Martin do ator, e passeando entre os clichês dos filmes de prisão sem receio, sabendo que o melhor está por vir.
E, de fato, Abaixo de Zero é bastante competente ao utilizar bem sua ambientação (uma noite gelada no inverno) e temática (filme de prisão, ou filme de presidiários) para criar algumas cenas que funcionam muito bem dentro de seu gênero, e vão dando tons de cinza aos mocinhos e bandidos, que acabam ganhando certa humanidade (bom, pelo menos parte deles) e fugindo do estereótipo de “bons” e “maus”. Há, todavia, cenas que poderiam muito bem ficar fora do corte final sem perdas para a obra (como exemplo, uma espécie de “ressureição” de certo personagem) e outras com excessos dramáticos e que não fariam sentido no mundo real. Mas é Cinema, não é a vida real, certo?
Além da boa ambientação, o aspecto moral de alguns dos personagens favorece o resultado da obra e a deixa à parte da maioria do seu gênero. Como comentado, somos apresentados a um cenário e variáveis bem simplistas no primeiro ato da obra – o mais fraco de longe – mas, após algumas cenas-chave e reviravoltas, são criados conflitos ricos e as ações e decisões dos personagens tornam-se ambiguas, onde bandidos devem realizar atos heróicos e mocinhos devem sair da sua bolha de moralidade para que ambos sobrevivam. Em resumo: a obra apresenta elementos suficientes para atrair e manter a atenção total desse redator que vos escreve (e acredito que de boa parte do público também), o que, convenhamos, no modelo de catálogo da Netflix, assolado por mais quantidade do que qualidade, mostra-se um certo diferencial.
O mote desta crítica poderia muito bem “o prognóstico que saiu pela culatra” ou, ainda, “não julgue o conteúdo pela capa”. E depois de assistir a milhares de filmes na vida, é bom ver que isso ainda pode acontecer. Mas é só isso também: uma pretensa bomba que se mostrou um suspense razoável, certamente acima da média.
Boa crítica, embora eu tenha gostado do ato inicial, pois achei que houve certo compasso em apresentar os personagens, o que facilitou o desenrolar da trama. Não gostei foram dos absurdos e concessões do roteiro, mas daí já tava envolvido e desliguei o cérebro pra curtir a experiência.